Diário de campo
Rio Grande (BA)
A expedição pelo Rio Grande foi realizada entre 17-23 de setembro de 2006. O levantamento fotográfico do rio foi feito por Gérard e Margi no início do mesmo mês. No dia 17/09, a equipe seguiu por estrada com o Land Rover e a lancha no reboque de Brasília até Barreiras. Como o Grande não é navegável acima de Barreiras, no dia seguinte, subiu de carro ao lado do rio, visitando as comunidades como Almas e Sítio Grande pelo caminho. A navegação começou em Barreiras, com paradas em São José do Rio Grande, Taguá e Jupaguá. A descida de Jupaguá até a foz, em Barra, foi o trecho mais comprido, passando por duas gargantas, da Serra do Boqueirão e da Serra do Estreito.
Vale ressaltar que o barco utilizado nas navegações usa o motor de popa Evinrude E-Tech, o mais ecológico disponível no mercado que, além de usar até 75% menos óleo que os motores 2 tempos, emite um volume de monóxido de carbono até 50% menor que qualquer motor 4 tempos.
Acompanhe aqui nosso Diário de Campo:
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Saímos de Brasília – Gérard, Rejane e eu – sob um calor de planalto em plena seca. Alguém nos dissera que a viagem até Barreiras (BA) leva apenas 5h, mas doce engano… Logo percebemos que levaríamos o dia todo para chegar no Land Rover arrastando o reboque com o barco. A estada (BR 020) em Goiás variava entre uns trechos que, sem dúvida, cairam no programa Tapa-Buracos (o asfalto que jogaram por cima da camada esburacada claramente não continha os componentes certos porque estava literalmente líquido apesar de ter sido feito faz tempo) os outros que ainda não receberam esse tratamento duvidoso. Aí, que surpresa, ao cruzar o limite com Bahia, estada perfeita!
Subimos a Serra Geral de Goiás e acima da chapada, cruzamos vastas planícies onde não havia nem sombra de cerrado. Acabaram com tudo. Nenhuma árvore nativa à vista. Apenas os campos vazios, parecendo a Mongolia, e vez ou outra, uma linha de eucaliptos. Que paisagem desoladora! E incongrua… porque nas beiradas da estrada, parecia ter caído neve… Era algodão caído dos caminhões. Estávamos cruzando terras do município de São Desidério que, segundo lemos numa placa, é o maior produtor de algodão do Brasil.
Ao sobrevoar a região, tínhamos percebido que a nascente do Rio Grande fica numa fazenda muito próxima ao BR 020. Cara de pau, entramos na fazenda Santa Emília e fomos super bem recebidos pela família Tramontini. Sr Wanderi estava festejando seus 71 anos com toda sua prole – filhos e netos – mas nos receberam de braços abertos e mostraram o trabalho de cuidados que têm com o Rio Grande. A represa que existe talvez apenas 500 metros do brejo onde nasce o rio foi construída pelo Exército há mais de 20 anos durante a construção da estrada. Agora, é uma joía que eles cuidam, não deixando o gado se aproximar ao leito do rio e assim pisotear a vegetação. Preferem bombear a água até os campos. Nota dez para a família Tramontini!
Acabamos chegando em Barreiras às 20h, mortos de fome. Sr Durval Nunes, Secretário do Meio-Ambiente, nos esperava com Daniel e David, dois repórteres da National Geographic que estavam fazendo uma matéria sobre Barra…nosso destino final.
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Céu azul, nenhuma nuvem. Eu precisava dizer isso? Nesta época do ano, todo santo dia é assim!
Nosso programa do dia era “subir o rio” de carro, acompanhando o leito onde possível e coletando amostras. A estrada até nosso primeiro destino, Sítio Grande, passa primeiro por São Desidério que, além de campeão do algodão, é campeão nordestino de produção de soja. O guia Giraia, que trabalha com o turismo de aventura em Barreiras, nos acompanhou.
O Rio Grande, nessa época do ano, é uma fita de águas azuis e transparentes, um convite no calor de 35 graus. Além de Sítio Grande, ainda no asfalto, fomos subindo até Almas em estrada de terra, e depois até Batalha, em estrada de areia. O rio fica cada vez menor, as águas cada vez mais azuis e transparentes, correndo apressadas pela calha que corta as várzeas, escoltadas por um exército de buritis verdes que se destacam na caatinga sem cor.
Esse rio tem um enorme potencial turístico. Seria um forte concorrente para Bonito (MS), só precisa de um empurrão, de visão e de bastante propaganda. Mas ainda não param de chegar os que preferem destruir, tirando as matas ciliares que protegem os brejos que, por sua vez, protegem e alimentam o rio. O alto Rio Grande é belíssimo: merece ser venerado, não abusado!
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Demoramos embarcar e sair de Barreiras. Havia mil coisas para a gente correr atrás, além de encontrar um lugar para soldar o gancho que segura o barco no reboque. Quebrara numa maldita quebra-mola mal sinalizada que pegamos em cheio na chegada em Barreiras no domingo à noite. Nisso, fomos ajudados por Marcelo Kuhn, que se juntou à expedição a partir de Barreiras, junto com Tainara Nogueira, estudante de biologia da UFB. Enquanto Gérard, Rejane e eu descemos o rio na lancha, Marcelo e Tainara acompanharam no Land Rover.
Finalmente, colocamos o barco no rio perto da primeira ponte. A água ainda é bastante transparente, mesmo no centro da cidade, mas começa a ser mais turvo devido ao esgoto jogado nela – 80% dos esgotos da cidade caem sem tratamento dentro do rio. A correnteza era muito forte, e logo no primeiro minuto, num momento de distração, batemos numa pedrona. Puxa vida, já? “Vocês vão quebrar várias hélices…!” nos tinham avisado. Mas não foi desta vez.
Primeira parada, o cais da cidade onde uma equipe da TV Tem (Globo) e outro repórter queriam gravar entrevista. Era meio-dia, num sol de rachar. Estávamos doidos para largar a ‘terra firma’ e ir descendo o rio. No início, tivemos que andar bem devagar, olhos grudados no fundo do rio, atentos para evitar troncos e pedras. Mas é daí que Barreiras ganha seu nome. A agitada navegação dos anos dourados nunca passou desse ponto.
Destino do dia: São José do Rio Grande, uma pequena cidade dentro do município de Riachão das Neves. A viagem levou quase 4 horas, paramos para conversar com ribeirinhos e pescadores. Ao chegar, lá estavam Marcelo, Tainara e o Land Rover nos esperando na beira do rio. Como nossos contatos foram através da prefeitura, em Riachão das Neves, ficamos meio perdidos ao saber que não existe nem hotel nem pousada em São José. Resolveram que fosse melhor, após a palestra, ir dormir num hotel em Riachão, a 27 km de distância.
Fomos convidados a deixar o barco na fazenda do sr. Agamemnon, onde também tomamos banho antes do show. A fazenda era um exemplo vivo daquelas que parecem em histórias de crianças, onde todos os bichos vivem na maior harmonia mas que eu sempre duvidava. Havia cães, galinhas, perus, patos, coelhos, galinhas de angola, pavões, vacas, cavalos e mulas, todos convivendo soltinhos numa boa!
Voltamos correndo para o centro da cidade, roxos de fome jantamos às pressas e fomos montar o datashow, projetando as imagens na parede da igreja. Para surpresa nossa, a multidão começou a comparecer, apesar da forte concorrência de uma banda na outra rua. O prefeito também veio de Riachão, e a participação ativa das crianças na palestra foi engraçada e gratificante.
Depois, cansados, encaramos a poeirenta viagem de meia-hora seguindo o prefeito até o hotel em Riachão, para susto da dona Cândida que não esperava visitas àquela hora.
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Uma das dificuldades para nossa equipe terrestre era obter informações confiáveis e recentes sobre a condição da estrada de terra que acompanha o rio pela margem esquerda. Já em São José, onde há uma balsa para atravessar, confirmaram que a melhor opção era seguir pela mesma margem até Jupaguá onde também havia uma balsa. Beleza, então. Combinamos encontrar com Marcelo e Tainara no povoado de Taguá na hora de almoço.
Lá fomos nós de novo, descendo o rio. Realmente, o Grande está precisando de alguns cuidados, um pouco de amor da parte de sua população ribeirinha. A mata ciliar está bastante destruída, principalmente para aumentar mais uns metros a área de pasto para o gado. E esse gado também é responsável para boa parte dos estragos porque, por falta de água nos campos, tem que descer barranco abaixa para beber – o que não é fácil para um animal pesando 400 kg.
Em volta de São José, há uma grande área ocupada por um faraônico projeto de irrigação chamada Nupeba, da CODEVASF, que foi concebido ao longo do vale do Rio Grande nos últimos anos da ditadura militar. A maior parte ou nunca foi realizado ou já caiu em desuso. Perto de São José, o projeto teve melhores resultados: a água é bombeada para pequenos lotes de 7 hectares, onde os agricultores plantam feijão, milho, mandioca, etc.
Em pleno rio, cruzamos com a Expedição Geraldo Rocha, um navio da Marinha (baseado em Bom Jesus) que estava subindo o rio também fazendo um trabalho com as comunidades, e os pescadores em especial. Demos meia volta e ficamos navegando ao lado durante 10 minutos. Como a saída de Barreiras foi difícil para nós, duvidamos que o navio pudesse chegar até a cidade.
Há muitos anos, Taguá era a cidade mais importante da região. Retém até hoje um charminho, mas outras cidades em volta já a ultrapassaram em tamanho e desenvolvimento. Almoçamos PF no ‘hotel’, o único restaurante do lugar, e seguimos mais duas horas pelo rio até a pequena Jupaguá, distrito da prefeitura de Cotegipe.
Num certo momento, paramos para conversar com seu Valdir e sua esposa Luzia. Estavam com três jegues na beira do rio, abastecendo uns galões com água. Sr. Valdir apontou para um angico afastado de uns 300 metros do rio. “Antigamente, a água chegava até o angico. Agora não mais. Olhem, posso quase cruzar o rio a pé…” e lá foi ele, indignado, pra dentro do rio, alcançando quase a metade da largura com água até o peito.
O trecho do rio que fizemos hoje foi bem curto – somente 54 km. Ficamos felizes de chegar ao destino cedo. Marcelo e Tainara chegaram cinco minutos antes. Lá, na margem, estava Marcelo. Mas pelo gesto que fez, entendemos logo. A balsa estava quebrada! O dono tinha ido para Barreiras comprar uma peça, a previsão de conserto era talvez o dia seguinte.
Passamos duas horas tentando resolver o dilema… o carro tinha que atravessar o rio de toda forma, para seguir depois para Barra. Voltar até a balsa de São José e descer pela outra margem levaria, segundo o que nos diziam os ribeirinhos, 4 ou 5 horas! Não dava tempo.
E se, usando a lancha, levávamos todo o equipamento até a cidade, dávamos a palestra às 19h, levava tudo de volta e acampava na margem esquerda? Ou dormia numa pousadinha (Jupaguá tem três ‘pousadas’, ou seja, lugares para pousar a cabeça à noite) e torcia para ninguém roubar o motor da lancha, ou mesmo a lancha inteira?
O vice-prefeito de Cotegipe, que estava na praia por acaso, ofereceu de usar a gaiola da prefeitura para rebocar a balsa e assim atravessar o Land Rover e reboque. Beleza, resolvido! Gerard embarcou na gaiola com a turma, Marcelo foi ajudar soltar a balsa… Mas o motor da gaiola pifou e lá foi ela descendo o rio! Uma hora mais tarde, Gérard chegou de volta a pé: não conseguiram virar o motor!
Já estava escurecendo e estávamos ficando sem opções. Em uma hora, teríamos que dar a palestra. Sr João, que mora na margem esquerda, oferecia um espaço no quintal para o carro, nos assegurava com respeito à segurança do barco e ainda nos levava na canoa de uma margem à outra.
Corremos até a ‘pousada’ (ou seja, a casa) da dona Elisa onde havia apenas 2 quartos, jantamos correndo e fomos à praça da igreja onde novamente aproveitamos o muro rosado. Uma grande multidão apareceu, o que era surpreendente visto que antes de chegarmos na cidade, ninguém sabia de nada. A prefeitura não havia avisado, conforme o combinado, porque não havia gasolina para o carro de som. No final, deu tudo certo, o som chegou e a população também. Mais uma vez, a criançada participou a plena voz durante a palestra. Ficamos satisfeitos por ter insistido em fazer a apresentação.
Depois, os prestativos rapazes do som estacionaram o carro em frente a um bar do outro lado da igreja e tentou estourar os tímpanos de todos os aldeanos. Felizmente, às 22h, tiveram que voltar a Cotegipe e o silêncio voltou a reinar sobre Jupaguá. Até os galos acordarem às 4h da manhã.
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Às 6h da manhã, estávamos na beira do rio aguardando sr. João nos buscar na canoa. Já na margem esquerda, onde o carro e a lancha dormiram, jogamos água, biscoitos e a tralha de sempre a bordo e preparamos para partir. Rejane iria com Marcelo no carro, porque presumíamos que assim chegará mais cedo em Barra para preparar tudo para a apresentação e porque tínhamos marcada uma audiência com Dom Luís, o bispo de Barra que luta pela preservação do Rio São Francisco.
Como, em linha reta, Jupaguá fica a 150 km de Barra, calculamos sempre o dobro para as curvas do rio. Estimamos uns 300 km navegando e não tínhamos noção de quanto tempo levaríamos. Tainara não hesitou em trocar o carro para o caminho do rio. Despedimos de Rejane e Marcelo, que teriam que voltar até São José, pegar a balsa e procurar uma estrada até a BR Brasília-Salvador.
Desde que começamos a navegar no rio, o céu estava sempre nublado à tarde. Hoje, amanheceu coberto. De um lado, isso nos poupou do calor escaldante, mas também tirou as cores da paisagem. Fomos descendo, seguindo nosso rumo errático pelo GPS. Ás vezes as curvas nos levavam em sentido oposto ao desejado.
O rio é habitado em toda sua extensão. Há alguma casinha em cada pedaço, seja de tijolo ou de taipa. Casebres humildes, sem nenhum luxo. Em cada canto, mulheres lavando roupa ou areando panelas na beira do rio; pescadores solitários em canoas de madeira beirando os aguapés onde os peixes buscavam refúgio.
Na minúscula Goiabeiras, tentamos comprar pão. “Só amanhã…” nos disseram. Enfim, no horizonte, surgia a Serra do Boqueirão onde o Grande encontra com o cristalino Rio Preto. Oba! Era ali que planejávamos “almoçar” nossos biscoitos e tomar banho de rio. O lugar é show: a serra, cortada pelo rio, sobe arredondada a cada lado, coberto por uma transparente camada de caatinga. Só na beira da água, alguns tons de verde. A correnteza do Rio Preto era fortíssima, mas as águas uma delícia, um pouco mais quentes que as do Grande, porém completamente transparentes. A vontade era ficar muito mais tempo curtindo aquela paz, mas ainda faltava um terço do caminho. Refrescado, voltamos a navegar.
A natureza no entorno do rio é cada vez mais árida. Antes de chegar a Barra, “atravessamos” mais uma serra, do Estreito, onde passa a grande ponte da estrada de asfalto. Finalmente, às 15.30, chegamos no porto de Barra. Pegamos uma amostra na foz do Grande esverdeado e outra no São Francisco barrento, passando ao lado da cruz que marca o encontro dessas águas, e encostamos na cidade. Após muito luta, conseguimos ligar para Marcelo, que chegara pouco antes. Tiveram que voltar até Barreiras para alcançar Barra, porque ao chegar em São José, ficaram sabendo que o rebocador da balsa tinha afundado na véspera! Realmente, não estávamos com sorte na questão de balsas.
No nosso encontro com Dom Luís, ficamos todos emocionados com seu astral, com sua calma determinação, sua sabedoria, fé e esperança. Ele é um exemplo. Às vezes, quando vejo a abrangência da destruição ao longo dos rios, me pergunto a que serve nosso trabalho se os próprios moradores não se importam com a realidade em sua volta. Mas uma conversa com Dom Luís é inspiradora e dá forças para continuar, para tentar ainda semear frutos de uma melhoria de atitudes, comportamento e respeito aos rios.
Na palestra à noite, a praça encheu de gente, muitos alunos. Mais uma vez, foi uma platéia entusiasmada e participativa. Depois, com João Rogério e Mauro, da secretaria do Meio-Ambiente, fomos comer uma moqueca e relembrar tudo que aprendemos ao longo do Rio Grande.
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Ufa! Chegamos de volta em Barreiras – 6 horas de estrada desde Barra rebocando o barco pelo asfalto esburacado. Uau, a caatinga é impressionante nessa época do ano. É difícil acreditar que aquelas árvores, aparentemente mortas, vão brotar novamente com as primeiras chuvas. Eis a força da natureza.
Aliás, parece que as chuvas estão querendo chegar mais cedo. Logo depois de cada palestra nessa viagem, começou a chuviscar. Com a exceção de Barreiras, quando choveu antes da apresentação.
Agradecemos o entusiasmo de Marcelo e Tainara durante a viagem, foram uma ótima companhia, sempre dispostos a ajudar com qualquer tarefa. Em Barreiras, Durval Nunes, Secretário do Meio Ambiente, foi super prestativo e se tornou um grande amigo, nos presenteando no final com mudas de jatobá, chichá e puxá. Lembranças duradouras, junto com as cerâmicas das senhoras artesãs de Barra, da nossa expedição pelo Rio Grande.
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Mal pudemos acreditar que estava na hora de voltar para Brasília. Rejane partira na véspera de ônibus, ela tinha que estar de volta cedo e já aprendemos que a viagem leva muito mais do que “apenas 5 horas”.
Na estrada, Gérard e eu ficamos pensando em tudo o que vimos e ouvimos. Nas reclamações dos ribeirinhos, o fato que mesmo na época das chuvas, o rio não sobe mais até onde subia sistematicamente. Apesar das alegações dos fazendeiros, que a irrigação não altera o rio, é uma simples questão de senso comum. Se desmatar as nascentes e matas ciliares, e depois tirar dos riachos milhões de litros de água, secando os brejos, obviamente haverá conseqüências negativas para quem mora rio abaixo.
Pensamos também sobre a pesca. Conversamos com muitos pescadores boiando em suas canoazinhas de madeira. Vimos seu desespero com os ‘profissionais’ – predadores que vêm de Bom Jesus ou Xique-Xique, que usam bombas de dinamite ou mergulham para pescar com arpão, deixando os ribeirinhos cada vez mais pobres. Um rio desses não é feito para sustentar os mercados de peixe de Brasília, Salvador ou São Paulo.
Enquanto isso, pelas janelas do carro, observamos os campos de soja e algodão na imensa planície que os fazendeiros adoram chamar de “Cerradão”, onde não há nem sombra do cerrado. Deveriam chamá-lo de Abertão. Nas encostas da Serra Geral, as árvores nativas travam batalhas homéricas na suas mal-sucedidas tentativas de resistir aos fogos tocados, sistematicamente, todo ano, por alguns imbecis. Sempre agora, no início da primavera quando tudo está muito seco e muito frágil. Logo agora, quando as árvores nos presenteiam com seus coloridos mantos de flores, e que os pássaros estão construindo seus ninhos. Logo agora, quando a água está em falta.
Na beira da estrada, já em Goiás, paramos para fotografar essa queimada. Além da voracidade das chamas e o calor, o que mais me impressionou foi o explosivo estrondo emitido por cada árvore de porte que as chamas devoraram. O local nem era um desmatamento; era um pequeno trecho do cerrado, com toda sua rica biodiversidade, tentando sobreviver. Foi-se mais um pedaço. O que a pessoa que tocou esse fogo ganhou com isso?