Diário de campo
Rio Verde (MT)
O Rio Verde nasce na Serra Azul, ao norte de Cuiabá, e percorre numa direção mais ou menos norte, desembocando no rio Teles Pires perto de Sinop. Tem uma extensão de aproximadamente 500 km. A única cidade localizada nas márgens do rio é Lucas do Rio Verde.
A navegação pelo Rio Verde foi realizada na semana de 19-24 de maio de 2007. As palestras foram realizadas nas seguintes localidades:
Lucas do Rio Verde 21/05 no auditório da UNIVERDE
Sorriso 22/05, no Auditório da ACES – Associação Comercial e Empresarial de Sorriso, Rua Tenente Lira 230 – Centro.
Sinop 23/05 no Auditório da UNEMAT
Cuiabá 24/05 na UNEVAG
Acompanhe aqui nosso Diário de Campo:
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Ontem, quando pousamos em Vila Bela, Mario deixou cair que estava para chegar uma forte frente fria, com muita chuva, durante a noite. Naquele instante, ficamos muito preocupados: como tínhamos que estar de volta em Cuiabá até a noite para encontrar com a equipe e seguir para o rio Verde, não poderíamos arriscar de não voltar a tempo. Por outro lado, já eram as 4 da tarde, não havia como chegar a Vilhena (RO) antes do pôr-do-sol para reabastecer. Resolvemos deixar nas mãos do destino, porque realmente queríamos muito conversar com Mario e também conhecer um pouco dessa cidade extraordinária.
No nosso ultimo sobrevôo, em 2004, vimos claramente a ruína da imensa igreja no centro da cidade. Desta vez, levamos um susto ao vê-la escondido debaixo de um imenso telhado – mas entendemos logo que seria um grande esforço para protegê-la do sol e da chuva.
De manhã cedo, realmente pensamos estar presos no chão: a neblina cobria tudo, especialmente a bela serra Ricardo Franco do outro lado do rio. Mas, aos poucos, começamos a avistar essa serra e ficamos aliviados. Decolamos e fomos subindo o Guaporé. O tempo estava fechado, o rio sem cores, mas pelo menos conseguimos visualizar bem o trecho que navegaremos mais tarde. Na altura do encontro do barrento rio Cabixi com o Guaporé, uma camada de nuvens bem baixa fechou de vez a perspectiva de continuar seguindo o rio. Mas, sorte nossa, era precisamente até esse ponto que já tínhamos fotografado todo o rio, descendo desde a foz, em julho de 2006.
Seguimos diretamente para Vilhena para abastecer. A camada viajou conosco, fechando o aeroporto pouco depois de pousarmos. Duas horas mais tarde, conseguimos levantar vôo e aproar a nascente do Guaporé, na Chapada dos Parecis, para clicar as últimas fotos. Desviamos depois para tirar uma série de fotos das nascentes dos afluentes do rio Paraguai, um trabalho que realizamos a pedido da WWF. E, no final do dia, pouso final em Cuiabá.
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Enfim, começamos nossa jornada em busca da nascente do rio Verde. Haveria duas opções para chegarmos no nosso objetivo: ou passando por Nova Mutum e deixando o barco no reboque, que nos daria mais flexibilidade nas estradas de terra, ou segundo apenas até Posto Gil (170 km) e cortando ao longo da Serra Azul por uma estrada de terra, uma distância de pelo menos 135 km, só de ida.
Optamos pela Nova Mutum, chegamos bem cedo num hotel, deixamos o barco e aproveitamos para almoçar e sair reforçados para buscar as águas verdes. Estamos viajando apertados desta vez, porque somos cinco a bordo do jipão: Gérard, Tiago, Pedro e eu, e o corajoso Eduardo Bessa, da SMS da Petrobras, que vai acompanhar toda a expedição.
Felizmente, 60 km da estrada rumo a Santa Rita do Trivelato estão asfaltados. Faltavam apenas 70 km de poeira para encontramos a Fazenda Santa Clara, onde nasce o Verde a uma altitude de 555 metros. Difícil é especificar uma nascente, porque o rio começa já com dois braços distintos, ambos chamados de Rio Verde, e cada braço desses começa com múltiplas nascentes, como se fossem os dedos de uma mão. Formam um belíssimo rio de águas esverdeadas e transparentes, que corre com força por dentro de uma mata ciliar bem fechada. Coletamos duas amostras e começamos procurar o caminho de volta, seguindo a dica dada por um funcionário da fazenda. Sempre vale desconfiar quando dizem que o caminho é fácil, sem erro, quando se trata de atravessar múltiplas fazendas com centenas de trilhas e nenhuma placa. Mais uma vez, nós perdemos! Mas era uma bela noite, estrelada. Felizmente, sem evento marcado para aquela noite, tivemos bastante tempo em mãos para acharmos o destino.
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Apesar de ter que percorrer uma distância pequena hoje, começamos bem cedo porque sempre aparecem coisas que atrasam nosso dia. De Nova Mutum a Lucas do Rio Verde, nem são 100 km. Mas ao chegar à cidade, perdemos muito tempo procurando uma rampa para descer com os barcos dentro da água.
Antes de embarcar no rio, almoçamos com Aluísio, secretário de turismo. Ficamos sabendo que a população não usa muito o rio para o lazer, o que achamos estranho por se tratar de águas bem verdes e limpas. Mas a correnteza é bem forte e parece que os remoinhos já causaram a morte de muitos banhistas – umas cem pessoas, segundo alguns. É muito para uma cidade tão nova – ela tem pouco mais de 25 anos! Portanto, a maioria tem medo de nadar no rio. Que pena.
Enfim, colocamos ambos os barcos no rio e subimos contra a correnteza. A mata ciliar está quase intacta e densa, mesmo na área urbana onde ela está mais ameaçada com construções nas margens. Infelizmente, encontramos muitas garrafas PET e outro lixo dentro da água e jogado nas margens. Isso à parte, o Verde é um espetáculo e Eduardo, que estava navegando num rio pela primeira vez, ficou emocionado com a beleza desse manancial.
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O dia começou já com uma entrevista do Gerard ao vivo na rádio local de Lucas do Rio Verde. Depois disso, seguimos com Fernando e Aloísio, secretário de Turismo, para uma fazenda nas margens do lago recém formado pela represa Canoa Quebrada. Ao fazer o sobrevôo do rio há um ano, a barragem ainda estava em construção, mas agora é um lago de água verde. A construtora da represa teve muito cuidado para retirar as árvores que ficaram dentro da água e assim apodreceriam dentro da água. Além disso, fez um canal para a subida dos peixes na época da piracema e comprou as terras em volta da área alagada para replantio da mata ciliar.
Navegamos uma extensão de 33 km sobre o lago, desde onde o rio passa pelas últimas corredeiras que perderam 1 metro de altura, até próximo ao paredão da represa. O município está investindo pesado na preservação, criou o premiado projeto Lucas do Rio Verde Legal para acabar com todos os passivos ambientais e sociais municipais e partir para o desenvolvimento sustentável com o pé certo. Espera que outros municípios vizinhos também partam no mesmo rumo. Todos estão muito animados com isso, é palpável o entusiasmo o que é, na verdade, meio caminho dado.
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A maior dificuldade que estamos sentindo no rio Verde é falta de informações! Fernando se ofereceu para mostrar uma rampa na fazenda dele, 37 km distantes de Lucas, onde podemos descer a lancha – mas a grande dúvida é onde vamos conseguir tirá-la da água.
Temos que decidir entre usar a canoa pequena, muito mais lenta porém mais fácil de tirar do rio, mesmo se tivesse que carregar barranco acima… ou arriscar com a lancha maior, chegando ao destino bem mais cedo. Sabemos, das fotos aéreas que tiramos e também das nossas consultas no Google Earth, que existem várias pontes pelo caminho, a maioria de madeira, uma nova de concreto e uma balsa. Porém, ninguém em Lucas pode confirmar essas informações. Resolvemos arriscar e ir de lancha, com algum receio sobre a possibilidade de encontrar corredeiras.
O rio continua belíssimo – a mata densa em cada margem, as águas esverdeadas fazendo jus ao nome. Conseguimos navegar tranquilamente, passando corredeiras insignificantes, e marcamos encontrar com Tiago e Eduardo no carro na ponte de concreto na nova estrada asfaltada que liga Sorriso a Ipiranga do Norte. Sendo nova, torcemos que ali poderíamos facilmente tirar o barco.
Mas foram muitas curvas de rio! Levamos quase 5 horas para alcançar a ponte onde havia muitos insetos, dois pescadores e nenhuma possibilidade de tirar a lancha! Em Ipiranga, Tiago tinha se informado com respeito à balsa, na estrada que liga a cidade a Sinop, mas sem poder saber se estava operando ou não. O risco seria ele chegar com o carro num lado do rio e encontrar a balsa encalhada, atrapalhando a saída da lancha e obrigando a fazer um enorme desvio para chegar ao outro lado. Apesar de serem apenas 60 km de estrada de terra, o caminho foi muito ruim e até chegamos de barco primeiro. Tínhamos navegado 190 km e já era o final da tarde.
Agora começou uma aventura pior… estávamos a 40 km de Sinop por uma estrada que variava aleatoriamente entre asfalto e terra esburacada. Depois, tivemos que atravessar a cidade (onde não há placas) para pegar a terrível BR-163 para Sorriso. À noite, estrada cheia de caminhões, sem encostamento e com buracos bem piores que as estradas de terra. Foi um pesadelo e chegamos atrasados para nossa palestra em Sorriso… onde 5 canais de TV esperava para fazer entrevista. Mas foi muito gratificante, em cada evento acabamos conhecendo as peculiaridades de cada local e os esforços para se enquadrar ambientalmente. Cada vez que a gente se surpreende com alguma coisa, vale lembrar que tudo o que estamos vendo nessa região é novíssimo – há 20 anos era mata pura. Novos municípios e cidades vão brotando a cada ano e, por isso, é possível começar com o pé certo.
Depois da palestra, roxos de fome, fomos com Fabiano ao restaurante comer matrinxã grelhado. Que delícia esse peixe – o salmão brasileiro, só que muito melhor!
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Por ter descido um trecho tão grande do rio Verde ontem, hoje temos que navegar menos para alcançar a foz, porém surge novamente o problema de onde tirarmos a lancha. No final, devido novamente à falta de informações confiáveis, optamos por descer na mesma rampa da mesma balsa de ontem, e simplesmente navegar até a foz e voltar ao ponto de partida.
Passando por Sinop, fizemos o check-in do hotel adiantado (coisa rara nas nossas expedições) e voltamos ao rio. Pedro ficou em Sorriso para conversas na Prefeitura, e vai pegar uma carona mais tarde para Sinop. Então estávamos os quatro no barco – Gerard, Eduardo, Tiago e eu – e minutos depois de passar a primeira curva do rio, vimos uma anta nadando perto da margem. Que legal! Ela, claro, fugiu rapidinha, subindo o barranco a sumindo no mato. Minutos mais tarde, vimos outra, na outra margem! Essa sorte de ver duas antas foi para compensar o fato que estava começando a chuviscar. De fato, fizemos todo o trecho até a foz debaixo de chuva – felizmente eram apenas uns 50 km.
Nas águas do encontro do Verde com o Teles Pires, havia um boto e várias tracajás pescando! O rio Verde realmente é muito especial, suas águas parecem bem preservadas e as matas, com algumas poucas exceções, formam uma boa proteção ao longo de toda sua extensão. No Baixo Verde, há cada vez mais ranchos pesqueiros na beira do rio, e em quase todas elas, sem exceção, o lixo é deixado na beira do rio. Sacos plásticos enfeitam os galhos das árvores na beira do rio, indicando a altura das águas das enchentes, mas isso é um problema de conscientização que precisa ser resolvido através da educação ambiental já nas cidades. Quase não há ribeirinhos nas margens do rio, os pescadores vivem nas cidades e vêm pescar nos fins de semana.
Enfim, tiramos o barco na rampa da balsa de novo e gelados e molhados, voltamos a Sinop para o evento à noite na Unimat. A população de Sinop é muito mais ligada ao rio Teles Pires, mais perto da cidade do que o Verde, mas conseguimos traçar um paralelo nas características dos dois rios.