Campanha 7 – Tocantins/Nordeste
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água pela bacia do Tocantins, e até o litoral norte/nordeste em julho e agosto de 2004.
20 de julho – Brasília (DF)–Gurupi (TO)
O traslado do Rio de Janeiro até Brasília ontem foi uma questão de timing. Desde sábado, chovia quase sem parar na cidade, sem previsão de melhoria até quarta-feira. Gérard conseguiu aproveitar uma brecha no domingo para trazer o avião do Jacarepaguá até o Santos Dumont, antes que ambos os aeroportos fossem fechados novamente. Na segunda-feira aproveitamos outra brecha para sair da cidade, voando quase duas horas dentro das nuvens até escapar entre duas camadas. A 10.000 pés de altitude, fazia 3 graus na cabine. Brrrr. Que contraste com o voo de hoje, saindo de Brasília com céu azul, céu esse refletido nas águas do Araguaia. Não é de estranhar que tantas pessoas migram para as praias desse rio nesta época do ano! Ao pousar em Gurupi, fazia 38 graus (mas ainda estava chovendo no Rio).
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21 de julho – Gurupi (TO)–Conceição do Araguaia (PA)
Mais um dia lindo e um voo sensacional numa região do país pouco divulgada. O Rio Araguaia, um rio vivo (não estragado ainda por barragens), é um sonho tanto para quem viaja sobre ele, como também para tanta gente que vimos acampada nas praias. Não resistimos e também paramos numa praia deserta para tomar um banho. Escolhemos justamente uma praia onde também havia outros talha-mares, os verdadeiros! A temperatura da água do rio é de 27 graus. Poderia até ser um pouco mais fresquinho. Em frente à cidade de Conceição do Araguaia, o point é a Praia das Gaivotas – vejam na foto.
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22 de julho – Conceição do Araguaia/Carajás (PA)
Mais uma vez seguimos pelas águas azuis do Araguaia e depois por um cenário muito diferente – o sul do Pará devastado pelo desmatamento. A Serra dos Carajás é uma ilha verde, coberta de mata, que domina uma planície outrora coberta por uma densa floresta. No sul e sudeste, lutamos para preservar os míseros 5% que restam da Mata Atlântica, enquanto no norte do país continua o ritmo acelerado de destruição – infelizmente em detrimento da terra que em breve se tornará ácida e pouco fértil.
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23 de julho – Carajás
Como é bom acordar na Serra dos Carajás, com a floresta em volta, aos gritos das araras e aos berros dos bugios! Gérard concorreu com esse barulho apresentando duas palestras nas dependências da Vale do Rio Doce; a primeira, na mina de ferro, a segunda, na novíssima mina de cobre do Sossego, inaugurada recentemente pelo presidente Lula. À noite, assistimos a uma rítmica apresentação de dança chamada “Tribos”, realizada por um grupo de Belém e baseada em danças indígenas. Excelente!
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24 de julho – Carajás
Ontem, pegamos pancadas de chuva no Sossego, mas hoje não havia uma só nuvem no céu. Fizemos voos lindos sobre a magnífica mata da Serra – com seus lagos rasos no topo das cangas (afloramentos de rocha rica em ferro) – e no sul do Pará até São Félix, aproveitando que ninguém parecia disposto a incendiar florestas naquele momento.
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25 de julho – Carajás/Marabá (PA)
Mais um dia belíssimo, com ótima visibilidade. Saindo da ilha verde dos Carajás, avançamos sobre a planície quente e mais ressecada, chegando enfim, ao Rio Tocantins, na cidade de Marabá. E que rio! Em frente à cidade, uma imensa praia muito badalada. Antes, porém, subimos o rio esverdeado até o montante da represa de Tucuruí. No final do dia, com o pôr-do-sol na orla de Marabá, almoço (sim, almoçamos às 18 horas) com tucunaré na telha e os gols de pênalti da Seleção campeã que ganhou da Argentina na Copa América.
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O paraense é essencialmente um povo ribeirinho. Ao andar pelas ruas de Marabá nessa época do ano, quando o nível do Tocantins está baixo, percebe-se nas paredes das casas a marca deixada pelas últimas enchentes. Quem vem de fora se impressiona com a idéia de ter a casa inundada anualmente e se pergunta porque as pessoas não se mudam. Mas elas estão acostumadas com esse ciclo das águas e cada um se vira do melhor jeito possível. Colocam os móveis no andar de cima, ou suspendem do teto e mudam-se para a casa de parentes, por exemplo. Pelas ruas, transitam tranqüilamente de canoa em vez de carro.
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27 de julho – Marabá (PA)–São Luís (MA)
Mais um dia de céu azul sem nuvens! Julho é uma época deliciosa nessa região. Fizemos um voo bem longo, com duração de mais de seis horas, dando adeus ao Tocantins em Imperatriz e seguindo pelo interior do Maranhão, procurando rios com largura e profundidade suficientes para coletarmos amostras. Mais perto da ilha de São Luís, há grande quantidade de lagoas doces onde nossa operação ficou mais fácil. Pousamos na capital às 14h30, abastecemos nossas barrigas e a do Talha-mar, e decolamos novamente em busca de águas. No fim do dia, totalizamos oito horas de voo e chegamos à beira-mar bem cansados!
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28 de julho – São Luís
Já cedo, estávamos nas instalações da Vale do Rio Doce para falar do projeto com funcionários e à imprensa. Depois, uma correria para obter gelo seco e despachar as amostras congeladas para o Rio de Janeiro. Gérard fez um sobrevoo da fábrica de pelotização, onde os funcionários aguardavam para ver o avião, e seguiu para dar um rasante na barragem do Bacanga, para surpresa dos pescadores!
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29 de julho – São Luís
Dia de pesquisa das águas a oeste da capital. Seguimos até o Rio Gurupi, um poderoso curso d’água que forma a divisa entre o Pará e o Maranhão. Na volta, passamos por algumas das muitas lagoas existentes na vasta planície do norte de Maranhão. Aqui, pelo menos, não falta água – embora a situação na ilha de São Luís, onde fica a capital, seja problemática. Sessenta por cento do abastecimento da cidade vem do Rio Itapecuru, no continente.
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30 de julho – São Luís (MA)/Camocim (CE)
Foi o dia mais puxado que tivemos até agora – oito horas e meia no ar! Em parte, a culpa é dos Lençóis Maranhenses – ficamos quase uma hora dando voltas acima dessa maravilha, tirando fotos e filmando as dunas que abraçam piscinas de água azul. Depois, subimos o Rio Parnaíba até Teresina, dando, porém, uma parada na Lagoa do Bacuri, aonde quatro meninos vieram, remando, fazer uma visita ao avião. Após abastecer em Teresina, seguimos para Crateús, no Ceará, e finalmente, alcançamos Camocim, no litoral, ao fim do dia.
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31 de julho – Camocim
Apesar de ser uma cidade pequena, de 70 mil habitantes, Camocim é um importante centro de pesca para todo o Brasil. Passamos a manhã conversando com os pescadores, vendo a vida dura que levam para ganhar o sustento da família. Alguns saem de noite nas canoas a vela, retornando de manhã com 100 a 300 quilos de sardinhas. Outros usam os botes, também exclusivamente a vela, e ficam entre 7 e 20 dias no alto mar, sobrevivendo em condições extremamente rústicas, sem nenhum conforto. É bom a gente pensar nisso quando reclamamos do preço do peixe que compramos! Infelizmente, eles não ganham de acordo com o trabalho, a maior parte do benefício cai nas mãos de tantos intermediários pelo caminho. No final da tarde, decolamos de Camocim e lutamos novamente contra o vento forte para chegar a Fortaleza, após um rápido sobrevoo de Jericoacoara, onde estivemos há dez anos. Continua uma beleza!
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Domingo, dia de descanso? Antes fosse! Gérard já estava de volta no aeroporto às oito horas para adiantar a troca de óleo do motor (revisão feita a cada 50 horas de voo), mas a tarde foi dedicada às praias, ciceroneados pelos amigos Sérgio e Ana, nossos anfitriões. Sérgio fez parte da equipe “Asas do Vento”, o voo ao redor do mundo que Gérard completou em 2001, no motoplanador Ximango. Nada melhor do que um almoço com velhos amigos na beira da praia ensolarada e uma brisa do mar para refrescar a cuca.
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03 de agosto – Fortaleza (CE)–Teresina (PI)
Ontem foi um dia de trabalho em terra, com um breve voo no fim da tarde até a pistinha de Catuleve, onde, para surpresa do Gérard, havia uns 50 pilotos esperando para conhecer o Talha-mar. Hoje, voltamos ao trabalho aéreo, decolando de Fortaleza e voando primeiro a leste, para poder acompanhar o Rio Jaguaribe. Coletamos amostras em muitos açudes – a quantidade deles, todos cheios, nos surpreendeu e, francamente, levanta um grande ponto de interrogação sobre a polêmica transposição do Rio São Francisco, algo que vai prejudicar gravemente o povo que vive às suas margens. À tarde, num calor de lascar, pousamos em Teresina. Amanhã, voaremos por aqui, no Piauí, voltando novamente para Teresina.
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Dia de voo bastante turbulento acima do sertão quente do Maranhão e do Piauí. Não foi possível fazer coleta de amostra em vários rios indicados por serem muito rasos e pequenos. O Parnaíba, porém, nos acompanhou sempre, na represa de Boa Esperança, as suas águas verdes contrastam com o sertão seco à volta. Voltando à Teresina, flagramos o despejo do que aparenta ser tinta azul (será?) diretamente no rio. Nossos rios não podem mais ser tratados como lixeiras!
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05 de agosto – Teresina (PI)–Palmas (TO)
Foram mais de oito horas na sela, quer dizer, nos assentos do Talha-mar hoje. Fizemos a coleta em alguns rios e tentamos em outros pequenos demais, no sul do Piauí, para depois atravessar o sul do Maranhão e chegar a Carolina, à margem do Rio Tocantins. A grande surpresa dessa região foi descobrir paisagens de cartão postal – quilômetros e mais quilômetros de chapadas, precipícios, platôs, etc., cortados por pequenos riachos. Paisagens mais bonitas do que cenários mundialmente conhecidos como o Monument Valley nos EUA. Mas aqui….no anonimato! Originalmente, íamos parar em Carolina mesmo, mas resolvemos continuar – tarde ensolarada, sem nuvens – até Palmas, capital do Tocantins. Infelizmente, as queimadas já estão começando na região, o verde está virando preto. Mas o rio, pelo menos, continua lindo..
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06 de agosto – Palmas (TO)–Brasília (DF)
Último dia de coletas nesta campanha, e mais um dia de céu azul. Seguimos o leito do Rio Tocantins, inicialmente acima da represa do Lajeado, inaugurada há 2 anos. Como não foi tirada toda a vegetação, conforme mandam as normas sensatas, ainda há decomposição de matéria orgânica, o que facilita a proliferação das algas. Mais rio acima, vimos as obras da construção de uma nova represa em Peixe, e há uma dúzia a mais já planejada. O rio simplesmente vai deixar de ser um rio para se transformar numa série de lagos artificiais, que, por serem rasos, favorecem a formação de tapetes de algas. Por último, no Alto Tocantins, passamos pela represa Serra da Mesa, a maior de todo o Brasil em volume de água (54,4 bilhões de m³), cobrindo a vasta área de 1.784 km².