Campanha 10 – Amazonas/Roraima
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água nos estados de Amazonas e Roraima em novembro e dezembro de 2004.
8/Nov – Manaus
Fomos cedo para o aeroporto, porque planejávamos fazer um voo bem longo, coletando amostras perto de Manicoré. Levamos um bom tempo para preparar o avião, reinstalando todo o equipamento, e quando finalmente estávamos a bordo, prontos para taxiar até a pista, Gérard percebeu que estava sem freio do lado esquerdo. Desembarcamos e levamos o avião de volta ao hangar. Tivemos de descarregar TUDO para ter acesso às tubulações que passam embaixo das poltronas… Enfim, descobrimos um furinho por onde havia vazado o fluido hidráulico do freio. Sorte nossa descobrir isso agora, no hangar da Rico, uma das três oficinas em todo Brasil homologadas para trabalhar nesse avião.
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Nota de esclarecimento sobre o acidente ocorrido no Arquipélago das Anavilhanas: É com grande pesar que a equipe do projeto “Brasil das Águas” informa a ocorrência de um acidente aéreo às 8h30 (horário local) com um hidroavião Cessna 185, que documentava os trabalhos do projeto no Arquipélago das Anavilhanas, a 80 km de Manaus. Faleceram no acidente o piloto Paulo Miranda Correia, o fotógrafo Nicolas Reynard e o jornalista Joël Donnet, os dois últimos franceses que estavam no Brasil para fazer várias reportagens, inclusive uma sobre o Brasil das Águas encomendada por três revistas francesas: Paris Match, Terre Sauvage e National Geographic. As duas aeronaves decolaram de Manaus às 7h30 (hora local) e o Cessna acompanhava o voo do Talha-mar, pilotado por Gérard. No momento do acidente, o Talha-mar voava um pouco à frente do Cessna, mantendo contato permanente pelo rádio. Gérard percebeu que, a partir de um determinado momento, o piloto Paulo não respondia mais. Gérard e Margi retornaram, sempre procurando o Cessna no céu. Encontraram o avião na água com os flutuadores para cima e a cabine submersa. Um barco se aproximava do local para prestar socorro. Gérard pousou em seguida e foi a nado até o avião, realizando repetidos mergulhos na tentativa de resgatar os ocupantes do Cessna. A fuselagem estava submersa verticalmente, bastante distorcida abaixo dos flutuadores, com a cauda para cima e a cabine nas profundezas. Como as águas do Rio Negro são muito escuras, com visibilidade inferior a 50 cm, Gérard não teve êxito em chegar à cabine. Margi ficou ao lado do Talha-mar, no banco de areia, tentando contato pelo rádio com o controlador de voo e outros aviões que trafegavam na região. Um helicóptero da FAB chegou ao local por volta das 10 horas, e mais tarde, outras equipes de resgate e mergulhadores.
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Estamos profundamente abalados com a perda de três pessoas muito queridas.
Paulo Miranda Correia
era um piloto extremamente experiente em hidroaviões, única pessoa no Brasil habilitada para fazer check nesse tipo de aeronave. Ele foi instrutor de voo do Gérard em 2002, ensinando manobras sobre a água que nem entraram no curso que Gérard tinha feito nos Estados Unidos. Nativo de Manaus, conhecia muito bem toda a região.
Nicolas Reynard
trabalhava para a National Geographic e já havia realizado várias reportagens sobre o Brasil. Ele amava profundamente esse país e uma semana antes do acidente ficou noivo de Maria Bittencourt, uma maranhense que mora em Manaus. Eu o conheci no Kuarup de Orlando Villas-Boas, em 2003, e desde então mantivemos contato para coordenar a reportagem que ele sempre quis fazer sobre o “Brasil das Águas”. Já estávamos trabalhando juntos em Manaus havia três dias. As fotos aéreas que ele estava tirando do Talha-mar sobrevoando as Anavilhanas eram para fechar a matéria. Naquela manhã, cada vez que olhava para ele sentado no Cessna, voando ao nosso lado, pensava em como ele parecia feliz, sempre sorridente.
Joël Donnet
era jornalista e chegara no Brasil dois dias antes. Era sua primeira visita ao país. Ele era extremamente profissional e bem preparado, fizemos uma longa entrevista na véspera e adorei seu senso de humor. Quando vi que ele chegou com apenas duas mochilas pequenas para passar duas semanas no Brasil, pensei: “Joël é uma pessoa que sabe viajar!” Tragicamente, os três partiram numa longa viagem sem retorno.
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Hoje à tarde foram realizadas as missas de sétimo dia dos nossos três amigos. Mas, de manhã, tínhamos voltado no Talha-mar, com Maria, a noiva do Nicolas, à cena da tragédia. Era uma manhã bonita, ensolarada, e desta vez, o banco de areia estava deserto. Ficamos ali, na areia branca no meio do Rio Negro, ouvindo apenas o barulhinho da água, e fizemos cada um a nossa despedida. Decidimos soltar as três coroas de flores amarradas juntas onde o Cessna tinha caído na água a 100 metros da areia. Então embarcamos novamente no Talha-mar e fomos no motor até o local onde soltamos as coroas coloridas naquela imensidão de águas negras. Ao decolar de novo, circulamos sobre o local onde boiavam as coroas. De repente, três botos cor-de-rosa subiram à superfície da água bem próximo às flores. Foi incrível. Só então conseguimos ir embora, reconfortados por essa demonstração de solidariedade vinda de três outros seres tão sensíveis. As almas dos nossos amigos estão em excelente companhia.
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Estamos de volta ao Rio de Janeiro… temporariamente. O projeto foi selecionado como finalista e concorre ao Prêmio Ambiental Von Martius. A premiação será em São Paulo na segunda-feira, dia 22. No próprio dia 22, à noite, voltaremos a Manaus para continuar as últimas duas semanas do projeto.
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24/Nov – Manaus–Boa Vista (RR)
De volta ao ar, seguimos um caminho para Boa Vista que nos levou primeiro à Represa de Balbina – uma represa muito discutida, transformada em mais um desastre ecológico. Uma vasta área inundada com muito pouca profundidade de água, sem a devida retirada das árvores. Vinte anos depois, a floresta morta ainda está de pé, testemunha da megalomania da ditadura. A represa nem consegue abastecer a cidade de Manaus que queima diesel para gerar energia! Novembro é o mês perfeito para voar em Roraima: tempo claro e céu limpo – o único problema é que os rios já estão um pouco baixos. Foi um dia cheio: depois do voo, coletiva de imprensa, uma palestra para estudantes de turismo e jantar com os amigos aviadores.
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25/Nov – Boa Vista e Monte Roraima
Nosso amigo Claudino veio nos buscar no hotel às 6h45. Céu azul claro, poucas nuvens. Nosso roteiro hoje seria ao norte, catando amostras em vários rios da região. Estávamos torcendo para poder avistar o Monte Roraima, sentinela na fronteira com Brasil e Guiana, que vive literalmente nas nuvens… E foi nosso dia de sorte! Nuvens havia muitas, mas insistimos por um tempo e, num dado momento, fomos premiados com uma bela visão da montanha. Logo depois, seguimos para também tentar a sorte com o Monte Caburaí, extremo norte do Brasil. Apesar de ser bem menor, o Caburaí estava escondido dentro de nuvens de chuva e tivemos de desistir. Roraima realmente é um estado de extrema beleza, com vastos horizontes, savanas e planícies que terminam em montanhas abruptas. Um show da natureza.
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Voo rápido de volta a Manaus, deixando o verão de céu azul de Roraima para o céu cinzento de um dia de “inverno” amazonense. Amanhã decolamos para Tefé a caminho de São Gabriel.
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27/Nov – Manaus–Tefé–Fonte Boa
Um vôo em linha reta até Tefé levaria pouco mais de duas horas, mas passamos bem ao sul, perto de Manicoré, coletando as amostras, e levamos mais de quatro horas. Um lanche rápido no aeroporto, e reabastecemos e decolamos novamente para adiantar o trabalho de amanhã… fazendo mais coletas no barrento Rio Japurá, antes de terminar o dia em Fonte Boa, nas margens do Solimões. Trata-se de uma pequena cidade de 35 mil habitantes e é de esperar que o nome Fonte Boa indique que a água seja limpa. Realmente, a origem do nome é a boa água de um igarapé ali perto. Segundo todos, porém, essa água agora é poluída. Engraçado, o ser humano, não é? Reconhece quando a água é boa, e logo se empenha em sujá-la.
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28/Nov – Fonte Boa–São Gabriel da Cachoeira
Dia lindo. Saímos cedo, atravessando os pântanos do Parque Mamirauá para recomeçar as coletas no Japurá e seguir ao norte sobre planícies de florestas alagadas e muitos igarapés de águas negras. Chegando ao Rio Marié, fizemos a coleta onde havia uma praia branca maravilhosa. Resolvemos parar ali e encostar o avião para fazer uma coleta de rede. Era um lugar no coração da natureza, sem interferência humana. O silêncio era total – apenas o barulhinho da água. Até os pássaros se mantiveram calados (ou então ali não havia aves). Enfim, às 14 horas chegamos a São Gabriel, calor 100% equatorial, porque estamos apenas 2 minutos de latitude abaixo da Linha do Equador. Famintos, seguimos as recomendações e fomos almoçar tucunaré na Ilha do Sol, uma praia branca no meio do Rio Negro. Afinal, era domingo e também somos “gente”.
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29/Nov – São Gabriel da Cachoeira (circuito)
Voamos um circuito hoje ao leste de São Gabriel, seguindo às vezes o magnífico Rio Negro, em outras, cortando pelas matas para coletar água em diversos rios, também negros. No caminho de volta, passamos bem perto do Pico da Neblina, escondido, como só podia ser, na neblina.
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1º / Dez – São Gabriel da Cachoeira–Manaus
Ontem conseguimos voar apenas uma hora – um voo baixíssimo acima do Rio Uaupes, com a camada, às vezes, apenas 300 pés acima da floresta, e muita chuva. Logo desistimos e ficamos o dia todo esperando o tempo abrir. Nada feito. Fernando, do Instituto Sócio-Ambiental, ajudou a passar o tempo emprestando um computador. Valeu! Hoje o tempo em São Gabriel continuou nada bom para voar. Só conseguimos decolar por instrumentos e o caminho todo até Manaus foi sem sol – parece que uma camada de nuvens cobre toda a região.
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2/Dez – Manaus–Sinop (MT)
O Talha-mar, enfim, está retornando para casa, após dois meses no oeste e norte da Amazônia. O tempo cinzento continua, e meio caminho até Alta Floresta tivemos de voar bem baixo, seguindo os rios, para passar abaixo de uma linha de mau tempo e chuva. Mas, de repente, o tempo abriu bem e terminamos a série de coletas antes de pousar em Alta Floresta. Abastecimento rápido do Talha-mar (a gente continuou sem poder nos abastecer de almoço) e adiantamos o caminho com mais uma hora de voo até Sinop (MT). Mal acreditamos que estávamos voltando para casa… e lá estava o amigo João Vicentini nos esperando!
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3/Dez – Sinop–Campo Belo (MG)
João nos levou ao aeroporto bem cedo e quatro horas mais tarde já estávamos pousando em Goiânia para abastecer. Almoçamos rapidamente e decolamos de novo, torcendo para alcançar logo o Rio de Janeiro. Porém, o teto foi baixando e as chuvas aumentando à medida em que nos aproxiávamos das serras do sul de Minas. Lá pelas 5 horas, optamos por pousar logo para evitar aborrecimentos mais tarde. O aeroporto no nosso caminho era Campo Belo. Paramos a tempo. Ao chegar ao hotel, começaram as chuvas. Será que vamos conseguir chegar em casa amanhã?
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4 / Dez – Campo Belo–Rio de Janeiro
Pela primeira vez em muito tempo, não pulamos da cama às 6 horas. Estando acima da serra, sabíamos que haveria neblina pela manhã cedo. Fomos ao aeroporto às 9 horas. Apesar de umas nuvens esparsas bem baixinhas, o teto estava bem alto. Afinal, fizemos um voo tranqüilo e finalmente pousamos de volta em casa às 10h30. Ufa! Conseguimos chegar, trazendo todas as amostras. Difícil acreditar que terminamos!