Campanha 4.1 – Região Sul (interior)
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água nos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul em janeiro de 2004.
14/01/2004 – Rio de Janeiro/Curitiba
Na terça-feira, todas as previsões meteorológicas para nosso destino pretendido, Curitiba, foram pessimistas. As imagens por satélite não eram nada encorajadoras. Já de início, desistimos da idéia original de descer tranqüilamente pela costa, curtindo um ótimo visual, porque a travessia da Serra do Mar, atrás de Paranaguá, fica entupida de nuvens mesmo quando as condições gerais são boas. Encaramos, então, um caminho mais longo pelo interior, abastecendo em Campinas, ao meio-dia. Surpresa: quando tudo indicava que íamos conseguir alcançar Curitiba sem problemas, no sul do estado de SP, passando Capão Bonito, sobrevoamos uma floresta da Mata Atlântica de tirar o fôlego – uma terra ondulada com morros totalmente cobertos de mata. Uma cena linda e cada vez mais rara. Meia hora mais tarde, pousávamos no aeroporto de Bacacheri, onde fomos recebidos calorosamente no Aeroclube do Paraná. Foi um dia de traslado, sem fazer coleta de água e Xande conseguiu, desta vez, chegar antes do jantar. Nosso trabalho começa amanhã: faremos o Rio Iguaçu, que nasce perto de Curitiba, a menos de 50 km do Oceano Atlântico, mas que segue a oeste e viaja mil km para desembocar no Rio Paraguai e ir até o mar na Argentina.
__________________________________________________________________________________________________
15/01/2004 – Curitiba-Cascavel
Mais uma vez, o tempo surpreendeu a todos. Como os amigos do Aeroclube do Paraná tinham avisado que dificilmente íamos conseguir decolar antes das 10 horas, tempo que costumava demorar para o sol queimar a neblina matinal, planejamos uma excursão fora da cidade com a TV Band, para coletar uma amostra do Rio Iguaçu. Ao abrir as cortinas às 7 horas, demos com um céu azul quase sem nuvens, mas tivemos de cumprir o programa combinado. Finalmente, decolamos às 11 horas… e ainda bem que não foi mais cedo mesmo. Bem ao sul de Ponta Grossa, o teto ainda estava muito baixo, apenas começando a levantar. Passamos bons 20 minutos da travessia da região raspando a camada. Foi um dia de coletas ao longo do Rio Iguaçu, cuja cor variou de marrom escuro a verde-limão, na represa Foz do Areia (Aliás, será que aquilo é água? Tem o pH mais alto que registramos até agora: 10!), e verde-turquesa, na represa Salto Osório. Vimos os restinhos de algumas cataratas e pensamos nas Sete Quedas. Por que as hidrelétricas têm de acabar com essas belezas? Por que será que as Cataratas do Iguaçu escaparam? São classificadas como Patrimônio Natural da Humanidade. Abastecemos em Pato Branco, onde fomos bem recebidos por Antônio, o gerente do aeroporto e terminamos o dia em Cascavel, onde, para sorte nossa, não havia vento – o que é raro nessa cidade. O dia todo, tanto nós no ar, quanto Xande na estrada, ficamos impressionados com a paisagem – uma colcha de retalhos verdes, pequenas propriedades com cultivos variados e, aparentemente, um bom esforço para preservar as matas ciliares. Parabéns, Paraná!
__________________________________________________________________________________________________
16/01/2004 – Cascavel-Chapecó
Um maravilhoso céu azul, sem nuvens! Foi assim que começamos o dia, decolando de Cascavel rumo à represa de Itaipu, retomando o leito do Rio Paraná por onde já passamos há três meses, na cidade de Guaíra. Fizemos várias coletas nessa imensidão de água azul e, após uma breve parada no aeroporto de Foz do Iguaçu para abastecer, fomos sobrevoar as cataratas. Pelas novas normas, tivemos que ficar a 1.500 pés acima do rio, com os vôos turísticos de helicóptero a 500 pés abaixo. Estávamos alto, mas esse não era um problema que uma lente zoom não resolvesse… O controle aéreo para sobrevoar as cataratas é feito pelos argentinos. Depois de muitas voltas sobre esse espetáculo, seguimos fazendo as coletas pelo Rio Iguaçu. Em seguida, aproamos ao sul, acompanhando o Peperi-Guaçu, um rio estreito, muito sinuoso e bastante limpo, que faz fronteira com a Argentina, sendo que a margem de nossos vizinhos está coberta por floresta densa. Somente foi possível coletar a água desse rio onde ele desemboca no Rio Uruguai. Pouso final em Chapecó, SC – ainda com céu azul sem nuvens.
__________________________________________________________________________________________________
17/01/2004 – Chapecó-Santa Rosa
Uma das maravilhas desse projeto, para nós, são as surpresas que nos aguardam todo os dias. Decolamos depois das 7 horas, voando para o leste, na direção de Caçador. Apesar de ser muito cedo, acima das serras ventava muito, de proa, e a turbulência estava forte. Essa é uma região belíssima, a serra e os vales tomados com pequenas fazendas, tudo muito verde e caprichado. Lindo foi o encontro dos rios Canoas e Pelotas, ambos seguindo por vales profundos e unindo-se para formar o Rio Uruguai. Na represa de Itá, avistamos uma pequena ilha de pedras com duas torres de igreja – tudo o que sobrou da cidade de Itá, que foi inundada. Seguimos ao sul, encontrando rios e represas (Passo Fundo, Ernestina, Montante do Passo Real) cada vez mais barrentos. Terminamos o dia em Santa Rosa, onde, felizmente, o aeroclube nos cedeu gasolina. A aviação brasileira está em crise. Há centenas de aeroportos abandonados, o custo da hora de vôo está muito alto e os aeroportos com gasolina de aviação estão se tornando uma raridade. Santa Rosa salvou nossa pele.
__________________________________________________________________________________________________
18/01/2004 – Santa Rosa-Alegrete
Antes do sol nascer, já estávamos no aeroporto, prontos para um programa legal antes de começar as coletas do dia: visitar o Salto do Yacumã, quase no extremo noroeste do Rio Grande do Sul. Aprendemos sobre a existência dessa queda-d’água (dizem que tem a maior extensão longitudinal do mundo) por meio do piloto Lauro, em Chapecó. Ao coletar água na foz do Peperi-Guaçu estivemos, sem saber, a cinco minutos de voo do salto… Agora, mesmo estando mais longe, não queríamos perder a oportunidade de conhecê-lo. Quase meia hora de voo e percebemos a mancha branca cortando perpendicularmente a superfície marrom do Rio Uruguai. A queda não é alta – talvez uns dois metros, mas o cenário impressiona pela beleza, com a floresta densa em ambas as margens do rio, tanto a brasileira quanto a argentina. Após muitas fotos, viramos a proa para o sul. O resto do dia, sobrevoamos uma paisagem bem diferente: planícies sem fim, savanas sem mata nativa, apenas alguns bosques de eucaliptos. Ranchos gaúchos, vacas e cavalos à vontade. Ao sul de São Borja, começaram os campos de arroz, formando divertidos desenhos na terra plana. E assim foi até pousarmos no fim do dia em Alegrete – em outro aeroclube, como o de Santa Rosa, onde a paixão de voar supera todos os entraves que tentam extingui-la.
__________________________________________________________________________________________________
19/01/2004 – Alegrete
Apesar da previsão ser boa para mais dois ou três dias, o céu amanheceu encoberto e tempestuoso. Estávamos prontos bem cedo, como sempre, mas o serviço de meteorologia previa chuvas e teto baixo na região onde íamos: Bagé. Resolvemos, então, aproveitar o tempo para cuidar do motor do Talha-marzinho e tentar resolver um mistério: de onde vem o constante cheiro de gasolina a bordo? Lá pelas 10 horas, o céu ficou limpo, mas já estávamos em outro ritmo, ritmo de descansar do manche e ficar em terra. Afinal, em quatro dias fizemos 53 coletas e paramos 9 vezes em aeroportos – ou seja, mais de 60 pousos. O ambiente no aeroclube é genial e serviram um ótimo almoço – a essa altura, para nós, parecia domingo. Obrigada, Fernando, Pacheco, Juan…
__________________________________________________________________________________________________
20/01/2004 – Alegrete-Porto Alegre
Após um dia em terra – ou melhor, parcialmente em terra, porque Gérard decolava a toda hora para testar o motor do Talha-marzinho, que apresentava um problema no abastecimento de gasolina – estávamos prontos para mais uma jornada. Mas também estávamos de olho na meteorologia, com a chegada de uma frente fria a Porto Alegre prevista para o dia seguinte. Aproando ao sul, fomos novamente até a fronteira com o Uruguai, sobrevoando intermináveis campos de arroz. Após reabastecer no Aeroclube de Bagé, resolvemos não arriscar ficarmos presos em Santa Maria, onde iríamos passar a noite, e assim, seguimos diretamente para Porto Alegre. Vistos de cima, os canais de irrigação traçam sinuosos desenhos nos campos de arroz, mas também são responsáveis pela pouca água nos rios da região. As estações de bombeamento extraem milhões de litros dos rios. Não é de surpreender que os leitos sejam rasos e que bancos de areia aflorem em toda parte. Qual seria a solução, visto que a água é necessária para o cultivo do arroz? Não temos a resposta, mas, se não cuidarmos, nem haverá água suficiente para tanto arroz. Lutando contra um forte vento de proa, alcançamos a capital gaúcha no fim do dia, pousando no maravilhoso Aeroclube do Rio Grande do Sul, onde ficamos hospedados a convite do Cmte. Sérgio Machado.
__________________________________________________________________________________________________
21/01/2004 – Porto Alegre
Desta vez, estava certíssima a previsão. O dia amanheceu com teto baixo e, pouco depois, chovia forte. Aguardamos no Aeroporto Belém Novo, esperando que o tempo melhorasse para voar, conforme combinado, para o aeroporto Salgado Filho, onde tínhamos uma coletiva de imprensa no hangar da Aeromot às 14 horas. Quando, às 13 horas, já estávamos desistindo de voar e nos preparando para ir de carro com Alexandre, o teto levantou, deixando uma brecha para Gérard decolar com o Talha-marzinho. Na Aeromot, o Max anfíbio estacionou ao lado do magnífico Ximango, o PT-ZAM em que Gérard deu a volta ao mundo em 2001. Ele não resistiu à tentação de subir novamente a bordo e passar alguns momentos refletindo sobre as horas que voara ao redor da Terra nesse valente motoplanador. Deixando o Max aos cuidados da equipe da Aeromot, pegamos um voo comercial de volta ao Rio de Janeiro. No início de fevereiro, terminaremos as pesquisas pela Região Sul, descendo até Chuí e seguindo todo o litoral até São Paulo.