Campanha 4.2 – Região Sul (litoral)
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água pelo litoral dos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul em fevereiro de 2004.
04/02/2004 – Porto Alegre-Capivari do Sul
Estamos de volta a Porto Alegre para reencontrar o Talha-marzinho. Quando Gérard e eu chegamos do Rio de Janeiro na véspera, de voo comercial, para surpresa nossa, Marcelo Antunes já estava no hotel. Ele chegara também do Rio, trazendo o Land Rover, em apenas 36 horas, incluindo a travessia de São Paulo em pleno drama do temporal que alagou (novamente) a cidade na segunda-feira. De manhã, buscamos o avião no hangar da Aeromot; após uns ajustes na nova hélice, decolamos rumo ao leste, para Capivari do Sul. Tínhamos um encontro marcado com Geovane, da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente. Há preocupação na cidade com a grande quantidade de lodo jogado no rio e na Lagoa Capivari pelos que plantam arroz pré-germinado. Essa prática torna o rio e a lagoa pretos em janeiro. Fizemos várias coletas, inclusive de sedimento, mas o tempo ficou cada vez mais chuvoso. Acabamos deixando o avião no hangar da Capivari Aviação Agrícola, voltando de carro ao hotel em Porto Alegre, onde tínhamos deixado a bagagem. Marcelo está provando que é mais rápido viajar pela estrada do que voando!
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05/02/2004 – Capivari do Sul-Pelotas
Nuvens baixas e cortinas de chuva nos prenderam ao chão em Capivari do Sul. Quando, enfim, as nuvens ao sul se tornaram mais brancas do que cinzentas, preparamos a partida, e só então descobrimos que estávamos sem bateria. Já eram quase 14h quando, com a bateria recarregada e as últimas chuvas sumindo ao norte, finalmente decolamos. O litoral gaúcho é uma linda sucessão de lagoas, com a imensa Lagoa dos Patos formando um pequeno mar a poucos quilômetros do Atlântico. Entre os dois, a praia se espreguiça até o horizonte, em companhia de dunas amarelas. Vez ou outra, os barracos de madeira dos pescadores ou veranistas desbravam o vento incessante e a solidão. Após três horas de voo, pousamos para abastecer em Pelotas, pensando em decolar para pernoitar em Rio Grande. No entanto, ao saber que naquela cidade o vento era superior a 50 km/h, desistimos. Hoje, Marcelo não conseguiu nos alcançar – a última balsa entre São José do Norte e Rio Grande sai às 17h, momento em que ele ainda estava transitando pela areia da Estrada do Inferno. Guardamos o Talha-marzinho no hangar do Aeroclube de Pelotas e fomos conhecer a cidade.
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06/02/2004 – Pelotas-Camaquã
Carlos, do Aeroclube de Pelotas, estava na porta do hotel às 6h45, conforme prometido. Aproveitando a manhã sem vento (na véspera, não conseguimos chegar a Rio Grande, onde o vento atravessava a pista a 25 nós), aproamos ao sul. Seria mais um dia de muitas águas, lagoas imensas e outras menores, e uma paisagem de arrozais sem fim, onde a “mata nativa” existe apenas na memória. Atravessando a vasta Lagoa Mirim, que só é “mirim” quando comparada à Lagoa dos Patos, tive a sensação de estar em alto-mar. Após a charmosa Lagoa Mangueira, esticamos o voo até a Barra do Chuí para sobrevoar o extremo sul do país. Passando por Santa Vitória do Palmar, subimos novamente pela Lagoa Mirim para reabastecer em Pelotas e nos reunir com Marcelo, que pegara a primeira balsa de São José do Norte para Rio Grande. Após um rápido almoço, adiantamos um pouco o caminho rumo a Porto Alegre, pernoitando numa pousada-fazenda perto de Camaquã.
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Decolamos bem cedo de Camaquã (RS), marcando encontro com Marcelo em Laguna (SC) para o fim do dia e imaginando que ele chegaria primeiro. Tínhamos um longo caminho pela frente, coletando água primeiro na Serra Gaúcha e depois pelo litoral. O controle de Porto Alegre foi muito compreensivo, liberando a atuação do Talha-marzinho no Rio Guaíba antes de seguirmos para abastecer na novíssima pista de Eldorado do Sul. Depois fomos à serra, seguindo o leito torto do Rio das Antas antes de cruzar até Novo Hamburgo para almoçar no aeroclube. Mais uma abastecida e voltamos à ação, subindo pelas lagoas do litoral em pleno sol – um espetáculo! Já no litoral catarinense, deparamos com um rio de águas azuis transparentes do Rio Mãe Luiza no ponto onde elas se encontram com outras, barrentas, formando o Rio Araranguá. Estranhamos a existência ali de águas aparentemente limpas, até descermos para colher a amostra: pH de 4.6 – ou seja, água bem ácida. Por isso não havia pescadores nesse trecho do rio! Seguindo o mesmo rio rumo ao nosso destino – Criciúma – constatamos que, rio acima, a cor da água muda de azul para verde, para laranja, para amarelo. Foi com essa cena assustadora, provocada pela água que drena das montanhas de dejetos de carvão onipresentes na região, que terminamos o dia, exaustos. Tínhamos coletado 18 amostras! Hemerson, do Projeto Baleia Franca, nos pegou no aeroporto e nos levou até um hotel em Laguna, onde Marcelo chegou, bem cansado, às 9 da noite.
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Normalmente, domingo não é um dia da semana diferente dos outros quando estamos em expedição. Mas ontem necessitamos recuperar o tempo perdido no início desta etapa e fizemos dezoito coletas. Hoje toda a equipe mereceu um descanso. Fizemos um voo curto com coletas de várias lagoas (que o povo por aqui chama de lagunas), curtindo a belíssima paisagem. Depois de um almoço demorado (coisa rara para nós), olhando as ondas do mar, fomos com Truda e Hemerson para Imbituba, SC, conhecer o Centro Informativo do Projeto Baleia Franca (http://www.baleiafranca.org.br), também patrocinado pela Petrobrás – um trabalho diligente em prol dos doces gigantes do oceano. Foi um dia em ritmo de domingo mesmo! Ufa!
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O roteiro seria Lajes e Rio do Sul, na serra, para fazer coletas no Alto Itajaí antes de prosseguir para Florianópolis. Mas, além do empecilho de a Serra Geral estar coberta de nuvens grossas que complicariam nosso voo, quando estávamos prontos para decolar houve um curioso problema com o fluxo de gasolina para o motor do Talha-marzinho. Tivemos de chamar Miguel, no Rio, para vir desvendar o mistério. Ele só conseguiu chegar à noite em Florianópolis. Então, ganhamos direito a mais um almoço na beira da praia, e Sidnei, nosso anjo da guarda por essas bandas, nos levou a conhecer a Praia do Rosa, point dos surfistas.
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Antecipando muito trabalho, Miguel acordou todos, mesmo antes de o sol aparecer no horizonte. “Ralou” o dia todo com Gérard, Marcelo e Sidnei como ajudantes e terminamos o dia com o Talha-marzinho novamente zumbindo pelos céus desse litoral de tirar o fôlego. A multidão de veranistas já foi embora, deixando as cidades com clima de Búzios no inverno.
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11/02/2004 – Ibiraquera-São Francisco do Sul
Está tudo verde por aqui porque a toda hora chega uma nuvem que borrifa uma chuva fina pelas redondezas. Nesse clima refrescante, chegamos acima da ilha de Santa Catarina, com o visual esplêndido das dunas e praias ao leste da Lagoa de Conceição. Já percebêramos a preocupação dos catarinenses sobre a qualidade das águas pela quantidade de e-mails recebidos: portanto não foi surpreendente que a imprensa de Florianópolis mostrasse muito interesse no projeto, vindo conhecer o Talha-marzinho no Aeroclube de Santa Catarina. Depois do almoço, decolamos novamente para coletar amostras no vale do Rio Itajaí, com uma parada relâmpago em Blumenau, a pedido de Susan, repórter do Diário Catarinense. Seguimos, finalmente, de Navegantes até São Francisco do Sul pelas praias, uma beleza iluminada pelo sol da tarde, culminando na coleta da Lagoa do Acaraí, jóia raríssima de natureza ainda intacta. Demoramos tanto tirando fotos que Marcelo chegou antes de nós e nos aguardava com nossos amigos de 20 anos, Fernando e Paula Cortez.
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12/02 São Francisco do Sul-Curitiba-São Francisco do Sul
Ao passar por Curitiba há um mês, não conseguimos visitar um certo curitibano muito especial, porque ele estava fora da cidade. Aproveitamos estar a menos de uma hora de voo para ir àquela cidade e conhecê-lo. O Prof. Luiz Campestrini é um querido senhor de 80 anos que, desde os oito, não pára de inventar maneiras de economizar água ou energia sem danificar a natureza. Uma de suas invenções é o aproveitamento da água do chuveiro na descarga, sempre usando materiais de construção baratos. A prova do sucesso de sua idéia está no fato de que novos prédios construídos em Maringá, daqui a cinco anos, terão de incluir esse conceito (veja em Projetos que Fazem). A preocupação do professor é sempre o futuro. “Sim, temos água agora. Mas, para os meus netos, daqui a 50 anos, como será?” Após um aconchegante almoço em família, para evitar o risco de ficarmos presos no dia seguinte com a neblina matinal, voltamos a São Francisco.
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13/02/2004 – São Francisco do Sul-Rio de Janeiro
Mal decolamos da cidadezinha colonial de São Francisco do Sul – uma pequena Paraty refugiada numa ilha da costa catarinense – e nuvens baixas e cortinas de chuva pareceram fechar o caminho que seguíamos paralelo às imponentes montanhas da Serra do Mar. Podendo ainda enxergar alguns morros bem distantes, continuamos voando baixo até o tempo abrir. Essa é uma região belíssima, ainda com pedaços intactos de Mata Atlântica, praias desertas e ilhas verdes. Ilha do Mel, Ilha do Cardoso, Ilha Comprida: todas espetaculares, cortadas por lagunas e rios de água escura por natureza. Voamos um pouco para o interior e coletamos amostras nos rios Ribeira do Iguape e Juquiá, bem barrentos devido à ação do homem. Após abastecer em Peruíbe, seguimos em pleno sol de verão, acompanhando as praias, direto para o Rio. Teria sido muito difícil Marcelo nos seguir no Talha-mato pelo litoral. Portanto, quando ontem fomos conversar com o Prof. Luiz em Curitiba, ele pegou a estrada, chegando de volta ao Rio no fim do dia. Pelo jeito, para ser mais rápido que ele no futuro, vamos ter de usar um jatinho!