Campanha 6 – Rondônia
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água no oeste de Mato Grosso, no leste do Amazonas e em Rondônia em junho de 2004.
18/06/2004 – Goiânia / Aruanã – GO
Raramente, quando fazemos uma revisão do motor do avião, resulta numa simples inspeção. A intenção era decolar cedo de Goiânia para São Felix do Araguaia, mas o sistema do avião não estava funcionando. Parecia pirraça do Talha-mar! Enfim, com Bernardo orientando o eletricista da Goiás Manutenção por telefone, conseguimos achar o fio (dos muitos) que provocara um curto circuito. Finalmente, decolamos 13:15h, sem tempo para alcançar São Félix. Resolvemos parar bem antes, em Aruanã (GO), às margens do Araguaia. Ao aproximar do Araguaia, perto da foz do Rio Claro, Gérard deu um grito: “Botos!” Lá embaixo dois botinhos pulavam fora das águas barrentas. Ao descer do avião em Aruanã, o primeiro barulho que ouvimos era os berros de dois papagaios. À noite, jantando na beira do rio, a cacofonia dos sapos do outro lado do rio era ensurdecedora, difícil de acreditar que 300 metros nos separavam da outra margem!
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19/06/2004 – Aruanã/São Félix do Araguaia-MT
Já estávamos no aeroporto quando o sol nasceu. Decolamos no ar fresco e seguimos o leito do Araguaia, um espelho prateado naquela hora sem vento. Ficamos felizes de ver uma boa faixa de mata ciliar conservada nas margens do rio na maior parte do percurso que sobrevoamos. De Cocalinha, cortamos até o Rio das Mortes. Seguimos ao norte, ora coletando água no Araguaia, ora no Rio das Mortes. O nível das águas está começando a cair e as famosas praias brancas surgem e crescem diariamente. Em algumas, havia jacarés tomando sol. Quanta beleza! Ao pousar em São Félix, conhecemos Inaruari Karaja, um jovem índio preocupado com o futuro do rio. Seguimos para a Pousada Kuryala, construída no meio das árvores, na beira do rio. O dono da pousada, Gaspar Ritter, é piloto; ele conta entre as poucas pessoas no Brasil que tem horas de voo no Lake Renegade.
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20/06/2004 – São Félix do Araguaia – MT
Domingo! Dia de descanso. Um pouso no rio em frente à pousada, um passeio de barco pelo Rio das Mortes, apreciando a exuberância da Natureza. Amanhã, será um longo dia. Destino, outro São Félix, agora do Xingu.
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21/06/2004 – São Félix do Araguaia – MT / São Félix do Xingu – PA
Levantamos antes do sol aparecer. Na escuridão, só os gritos e grunhidos dos habitantes da mata. Nascer do sol espetacular, o Rio Araguaia numa faixa dourada cortando a planície. Tristes de ter de deixar esse lugar maravilhoso, nos despedimos do Gaspar e da Salete, levantamos voo e atravessamos a maravilhosa Ilha do Bananal, um recanto ainda intocado – floresta, savanas e muitos rios e lagos. Abastecemos na BR em Gurupi (TO), cruzamos novamente a Ilha do Bananal e o Parque Nacional do Araguaia para voltar a seguir o leito do Araguaia. Céu azul, visibilidade 100% e o rio preguiçoso se esticando até o horizonte. Praias brancas e mais praias brancas. Quando deixamos o Araguaia para aproar em Redenção (PA), as terras já estavam mais altas, ressecadas… adeus às matas. Abastecemos novamente na Petrobrás em Redenção e decolamos para São Félix do Xingu, atravessando uma serra lindíssima, onde, de repente, nos vimos sobrevoando um Brasil de 500 anos atrás. A floresta intocada até o horizonte, cortada pelo Rio Fresco com sua mata ciliar intacta, um visual de tirar o fôlego. São as terras dos caiapós. Mas foi só passar a “fronteira” da reserva indígena para voltar a ver a destruição. Nos campos (verdes nessa época do ano), os esqueletos secos de árvores enormes, testemunhas da devastação – devastação pelo fogo, sem mesmo ter o trabalho de tirar a madeira. Cadê, pelo menos, a mata ciliar? Foi-se! Tudo indica que é esse o futuro que espera toda a Floresta Amazônica.
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22/06/2004 – São Félix do Xingu–Carajás (PA)
Num voo de apenas uma hora, passamos dos campos estéreis à riqueza da reserva dos catetés e, logo em seguida, à floresta nacional da Serra dos Carajás. Encravadas nesta floresta encontram-se as minas de ferro e de manganês da Companhia Vale do Rio Doce. Estando no alto da serra, a temperatura é mais fresquinha do que na planície e a visibilidade, bem mais nítida. Fomos recebidos por Vitor Cabral e apresentamos uma palestra sobre o projeto para os funcionários ligados ao meio ambiente. O núcleo urbano, onde moram os funcionários da empresa, é discreto, calmo, limpíssimo e muito arborizado – um contraste à cidade de São Félix, extremamente poeirenta e ainda sem asfalto (a cidade nasceu em 1938!).
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23/06/2004 – Carajás–São Félix do Xingu (PA)
“Escute, Gérard! Bugios!”, sussurrei às 7 horas. O hotel estava pertinho da floresta e o barulho (melhor, o estrondo) dos “rugidos” dos bugios era ensurdecedor. Voltamos a São Félix onde havíamos combinado de voar com o piloto Bosco até uma aldeia caiapó. Foi um voo lindo, acompanhando o Rio Xingu, até Pikararankre, uma comunidade de 182 caiapós. Myere, uma índia de uns 50 anos, explicou que a água que eles bebem vem de uma nascente na serra atrás da aldeia, porque a água do Xingu provoca infecções. Na volta, demos carona para o jovem Bancaire. E lá estávamos de novo na Pousada Rio Xingu, cujo proprietário, Clédson, também é piloto. Aliás, tudo indica que há mais pilotos por metro quadrado em São Félix do que em qualquer outra cidade do Brasil!
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24/06/2004 – São Félix do Xingu (PA)–Alta Floresta (MT)
As queimadas, somente são esperadas para meados de julho, mas acordamos com o cheiro de fumaça no ar. O céu sem nuvens trocou o azul pelo branco. Assim que deixamos as redondezas da cidade, a visibilidade melhorou e, em vez de fumaça, uma camada de neblina cobria o vale do Xingu. Detalhe: apenas onde ainda há mata em volta. Seguimos rumo ao oeste, sobrevoando durante três horas uma vasta extensão de mata fechada, com poucos rios, e de vez em quando umas terras altas com vegetação de sertão. Foi um voo de tirar o fôlego. Enfim, Alta Floresta de novo: a última vez que passamos por aqui foi em novembro. Excepcionalmente pousando a tempo de almoçar, seguimos logo para o Hotel Floresta Amazônica, cercado pela selva.
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26/06/2004 – Alta Floresta (MT)– circuito
Voo panorâmico de muita floresta e paisagens lindíssimas como o leito do Rio Teles Pires, que termina em sua confluência com o Rio Juruena – onde nasce o Tapajós. A certa hora, encontramos uma linda praia no rio onde daria para encostar o avião e resolvemos parar. Mas, ao taxiar na água, Gérard percebeu que tínhamos novamente um problema de bateria; melhor decolar logo antes de ficarmos “presos” ali. Ao chegar de volta a Alta Floresta, deixamos a bateria com Toni para ser recarregada.
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27/06/2004 – Alta Floresta (MT)–Porto Velho (RO)
Bateria recarregada pelo Toni e reinstalada: estávamos prontos para decolar. O voo até Porto Velho seria longo, pois não é feito em linha reta. Pouco antes de cruzar novamente o Rio Juruena, sobrevoamos um enorme garimpo de ouro – temo pensar o que isso está fazendo com as águas até então limpinhas desse rio espetacular. O Rio Aripuanã é outro rio belo, e perto da cidade de Aripuanã, despenca por umas cataratas espetaculares. Continuamos rumo ao noroeste, até a confluência do Roosevelt e do Aripuanã. Um pouco mais ao norte, a Rodovia Transamazônica “atravessa” o Aripuanã. É uma estrada de terra que corta a floresta até o horizonte, abrindo uma ampla faixa de desmatamento. O Rio Roosevelt, com águas aparentemente limpas, é lindo: pena que não manteve seu nome original, muito mais apropriado – Rio dos Sonhos. No fim do dia, chegamos a Porto Velho acompanhando o imenso e barrento Rio Madeira. Ficamos surpresos de encontrar, a poucos quilômetros da capital, dezenas de balsas de garimpo de ouro operando bem no meio do rio. E a contaminação da água pelo uso do mercúrio? Cadê a fiscalização?
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28/06/2004 – Porto Velho (RO) – circuito
Porto Velho será nossa base operacional por alguns dias. Os voos do projeto em toda a Região Norte requerem bom planejamento porque há muito trabalho a ser feito (quer dizer, muitas águas). Os pontos de abastecimento, porém, são poucos e distantes. Os riscos também aumentaram e todo cuidado é pouco. Agora sim, estamos sobrevoando regiões remotas (e bem preservadas) da Amazônia. Fizemos primeiro um circuito no sul do Estado do Amazonas: abaixo das asas, um extenso tapete verde e belo. Árvores imensas, outras mais baixinhas, de todas as cores e texturas. Às vezes, o sol reluzia por entre elas, mostrando que a floresta, aparentemente seca, estava inundada. Que beleza, esse ciclo de altas e baixas das águas! Rios de águas negras, mas transparentes, onde, de vez em quando, víamos um boto. Na confluência do Purus (barrento) e do Itaparaná, a pequena cidade de Tapauá – que vontade de parar, mas… Voltaremos!
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29/06/2004– Porto Velho (RO)
O dia começou com muito barulho… Isabel, do projeto Amigos da Escola, nos levou à Escola Estadual Petrôniuo Barcelos para falar com 200 crianças sobre a preservação da água. Afinal, como falar de escassez com crianças que vivem na bacia do Rio Amazonas? A realidade ali é bem diferente do resto do Brasil, e a receptividade delas é animadora. Como sempre, percebemos o bom trabalho que está sendo realizado pelos professores.
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Gérard voltou ao Rio de Janeiro num voo comercial para participar de um evento da Petrobrás, referente a projetos ambientais. Retorna a Porto Velho à noite.
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01/07/2004 – Porto Velho (RO) – circuito
Coitado do Gérard, voltou para Porto Velho num voo que atrasou, chegando à 1h45! E lá estávamos no aeroporto de novo às 7h30, decolando para mais um voo maravilhoso sobre o sul do Amazonas, desta vez até o início do Purus, passando por Lábrea. A certa hora, pousamos no Rio Tapauá para fazer uma coleta de fitoplâncton, perto de três casas perdidas, em plena mata. Dois índios Paumeri vieram de canoa nos visitar, no meio do rio, e ficamos batendo papo, descendo pela correnteza do rio, todos juntos. Infelizmente, tivemos de recusar a oferta de visitar a casa porque tínhamos uma troca de óleo marcada para as 14 horas de volta à cidade.
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02/07/2004 – Porto Velho (RO) – circuito
Lá vamos nós de novo, agora pelo Estado de Rondônia mesmo… Mas, depois de uma hora de voo e antes de poder fazer a primeira coleta, Gérard percebeu que, no dia anterior, esquecera de ligar a conexão das análises. Tivemos de buscar um aeroporto para descer por 10 minutos. Foi em Machadinho d’Oeste. Voltamos novamente ao norte para seguir o Rio Machado e, na hora de almoço, alcançamos Ji-Paraná, onde um genial grupo de pilotos preparou um almoço especial para nós dentro de um hangar. Gente boa! E esta é nossa última noite em Porto Velho (foram seis no total!).
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03/07/2004 – Porto Velho–Príncipe da Beira (RO)
Manhã cinzenta, com nuvens baixíssimas. Seguimos o Madeira, ziguezagueando para manter voo visual. Após uma hora, com a melhora do tempo, acompanhamos os barrentos Madeira e Mamoré, até enfim, chegar ao limpo Guaporé. Há muitos anos é um sonho nosso conhecer o Forte de Príncipe da Beira. Devidamente autorizados pelo Exército em Porto Velho, pudemos aterrissar na pista perto do forte e nos hospedamos no quartel. O forte é magnífico, deixando o visitante surpreso com o esforço de sua construção (1775-83), levando em conta a localização ainda hoje remota.
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04 Jul – Príncipe da Beira–Vilhena (RO)
Céu azul refletido nas águas escuras do Rio Guaporé. Um visual fora de série, um colírio para os olhos desde a decolagem de Príncipe da Beira (onde fomos muito bem recebidos pelo Pelotão de Fuzileiros de Selva). Seguimos o Guaporé durante quase três horas, um paraíso parecido com o Pantanal. Freqüentemente, avistamos botos cor-de-rosa brincando na superfície da água. No fim do dia, aproamos em Vilhena, cidade que visitamos na segunda campanha, em novembro de 2003.
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05/07/2004– Vilhena (RO)–Rondonópolis (MT)
Pensávamos que seria um voo fácil e rápido, mas as distâncias nesse imenso Brasil, muitas vezes, nos enganam. Acompanhamos novamente o Rio Guaporé e, enfim, deixamos para trás a bacia amazônica para entrar no Pantanal e na bacia do Rio Paraguai. Terminamos o dia numa cidade que se tornou familiar para nós, involuntariamente, em novembro do ano passado: Rondonópolis!
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06/07/2004 – Rondonópolis (MT)–Rio Verde (GO)
Como o tempo não está bom no Rio, resolvemos completar a coleta de alguns pontos que estavam faltando na parte leste do Pantanal e no sul de Goiás. Estamos agora no inverno: no Pantanal, os campos estão secando e, em Goiás, a paisagem permanece nos tons de bege, amarelo e marrom. Aproveitamos para aceitar o convite dos amigos Roberto e Elza Andrade e conhecer sua fazenda perto de Rio Verde.
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07/07/2004– Rio Verde (GO)–Rio de Janeiro
Depois da correria dos últimos 19 dias, e das enormes distâncias que voamos nessa campanha (uns 15 mil quilômetros no total), dormir numa fazenda e acordar ao canto da seriema foi como um banho de relaxamento. Rápido abastecimento em Rio Verde e estávamos decolando para um voo direto ao Rio de Janeiro, trazendo nossa carga especial de uma centena de amostras. Desta vez, os resultados das pesquisas devem apresentar uma boa quantidade da águas limpas.