Campanha 8 – Pará/Amapá
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água nos estados de Pará e Amapá em agosto e setembro de 2004.
17/ago – Goiânia–Mineiros–Cuiabá
Quando saímos do hotel, o sol ainda estava escondido abaixo do horizonte. Às 7h30, já estávamos sobrevoando a cidade, num céu azul que se estendia sobre Goiás. Nosso destino: a Fazenda Jacuba, perto da divisa com Mato Grosso, onde tínhamos encontro marcado com o Dr. Luziano. Íamos conhecer algumas das voçorocas gigantes, comuns na Serra do Caiapó – que são facilmente detectadas no ar. Melhor surpresa era ir com o Dr. Luziano e sua equipe da Polícia Ambiental de Goiás conhecer a nascente do Rio Araguaia e o trabalho de recuperação que está sendo feito à sua volta. Entre um punhado de pequenas árvores do cerrado, água cristalina borbulha, saindo num pequeno poço de fundo de areia clara. É a coisa mais linda! Água limpinha, purinha, saindo do solo seco para começar uma longa viagem, de milhares de quilômetros, até encontrar o oceano perto de Belém. Depois de tanta pureza, e um voo sobre muitas chapadas, foi um susto chegar a Cuiabá em meio a uma densa névoa seca causada pela fumaça das queimadas no norte do estado.
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18/ago – Cuiabá
Tivemos a oportunidade de visitar o AMAZONTECH, grande evento de palestras, fóruns e feira de exposições onde todos os estados da Amazônia estavam representados.
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O dia começou com dois voos de demonstração: o primeiro com a Sra. Rosalia Arteaga, secretária-geral da OTCA (Organização do Tratado da Cooperação Amazônica) e logo depois com Marcos Freitas da ANA (Agência Nacional de Águas), ambos com direito a pouso completo no Rio Cuiabá. O Talha-mar ganhou mais dois fãs. Finalmente, decolamos para Barra do Garça, mudando o rumo, posteriormente, para Sinop. Perto de Primavera do Leste, novo pólo da soja no estado, um bom trabalho está sendo feito na preservação da mata ciliar. Porém, mais ao norte, a história é outra. As queimadas e a fumaça se intensificaram. Em Sinop, assistimos ao pôr-do-sol uma hora antes do previsto – a camada de fumaça estava tão densa que o sol tornou-se uma bola vermelha quando ainda faltava meia hora para alcançar o horizonte.
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20/ago – Sinop (MT)–Itaituba (PA)
Ao sair do hotel, sentimos logo o forte cheiro de fumaça. A visibilidade já estava ruim e durante o dia, piorou muito, levando o aeroporto de Alta Floresta a fechar. Ao atravessar a Serra do Cachimbo, onde as queimadas estavam a pleno vapor, havia momentos em que mal enxergávamos o solo, voando a 300 metros de altura, e víamos apenas 500 metros pela frente. Depois, às vezes saíamos da fumaça e ficávamos encantados, vendo os pedaços de mata que ainda sobrevivem ao holocausto que seguramente está por vir. Finalmente, o ar ficou limpo ao sul de Itaituba. Fizemos um sobrevoo dessa pequena cidade e pousamos após oito horas na sela!
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Foi uma decepção ver que aqui também há dias de fumaça. Ao decolar cedo para mais uma maratona, ao voar ao sul e oeste de Itaituba, a visibilidade já estava ruim. Aproamos em Novo Progresso para coletar no Rio Jamanxim e depois numa série de rios muito prejudicados pela ação de garimpo. O Rio Novo tem uma inacreditável cor de areia branca, sem nenhuma transparência – parece uma larga estrada de areia, muito lisa, cortando a floresta escura. Sobrevoamos muitos garimpos – claro que trabalhar nessas condições é duríssimo, mas isso não é desculpa para envenenar as águas, que são preciosas para todos. À tarde, quando descíamos o belíssimo Tapajós, o céu escureceu. Ventos violentos e chuva forte estragaram nosso plano de pousar numa bela praia do rio e tivemos de apressar a volta a Itaituba.
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22/ago – Itaituba–Santarém
Parece que mal chegamos a essa cidade e está na hora de ir embora. Seguimos ao norte, aproando Parintins num dia nublado e até fresquinho – 26 graus! Ao chegar ao imenso rio Amazonas, o sol apareceu para realçar o contraste das águas barrentas com o verde das ilhas e margens. Voando ao leste agora, descemos novamente para coletar amostras na foz do Tapajós onde o rio também é imenso – 20 km de largura! E, em Santarém, o impressionante encontro dessas águas azuis com as do Amazonas.
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Estaremos usando Santarém como base durante cinco dias, visitando todas as águas da redondeza – que não são poucas! Começamos com um voo sensacional atravessando o imenso Amazonas e explorando a região ao norte, onde há serras lindíssimas ainda cobertas de floresta. Conhecemos o Rio Paru, onde fizemos uma parada total num trecho em que o rio é bem largo e reto; ficamos boiando no meio do rio, descendo com a correnteza, ouvindo só o canto dos pássaros. E ficamos encantados também com o Jari, onde ele encontra o Ipitinga numa região remota, cheia de florestas e araras!
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25/ago – Santarém (circuito via Trombetas)
Sabíamos que seria um voo bem longo. Resolvemos voar bem mais ao norte do que os pontos oficialmente marcados para coleta, atingindo mais uma vez lindas regiões de mata fechada, serras infinitas e rios belíssimos, como o Alto Trombetas e o Alto Mapuera. Aldeias indígenas apareciam de vez em quando, assim como alguns colonos teimosos com suas roças de mandioca. Perto de Trombetas fizemos uma parada completa no Lago do Abuí, para coleta de rede. Em dez minutos, recebemos a visita de seis canoas de gente que veio fazer nosso resgate e depois ficou batendo papo. Eram do quilombo do Abuí.
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26/ago – Santarém (circuito via foz do Xingu)
O tempo mudou. Hoje não havia vento, o que tornou a temperatura menos suportável. Nossa rota do dia nos levou à foz do magnífico Rio Xingu e depois, atravessando o vasto Amazonas, ao Rio Jari e à fábrica de celulose que, com sua fumaça malcheirosa e campos de eucalipto em volta, é um intruso no mundo da mata. O ponto alto do dia foi conseguir fotografar uma família de botos cor-de-rosa brincando nas águas escuras (mas limpas e transparentes) do Rio Acaraí. Já vimos botos em muitos lugares, mas eles são difíceis de fotografar!
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27/ago – Santarém–Belém
Seria um voo curto, porém um dia muito cansativo. Decolamos cedo, como sempre, agora indo para o sudeste, numa rota que passou por Altamira, e novamente pelos rios Iriri e Xingu antes de aproar a capital do Pará. Ao chegar, saímos correndo do aeroporto porque precisávamos urgentemente reabastecer o nitrogênio líquido usado para congelar as amostras, e fomos alertados de que só poderíamos abastecer com N2 se não estivesse chovendo. Como em Belém chove todos os dias – e, às vezes, o dia todo –, seria um desafio. Dito e feito: quando enfim chegamos à fábrica de nitrogênio, caiu um temporal. Tarefa realizada apenas duas horas mais tarde. Nessa altura, sem ter almoçado, seguimos logo para as Docas, onde uma reforma revitalizou a área, convertendo os armazéns em restaurantes. Bem bacana.
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28/ago – Belém–Amapá (AP)
Sempre que pensamos que vai ser um dia fácil, curto, acabamos nos atrasando por vários motivos – normalmente porque achamos pelo caminho mais rios e lagos para amostrar. Nessa região, então, onde há TANTA água, fica difícil resistir à tentação de pegar mais uma amostra. Cruzamos o delta do Rio Amazonas, para onde também tantos outros rios se convergem, alguns de águas negras, transparentes e outros bem barrentos, como o próprio Amazonas. Abastecemos em Macapá, capital do Amapá, localizada bem na Linha do Equador (estava quentíssimo), e seguimos diretamente para a pequena cidade de Amapá, mais ao norte. Estivemos nessa cidade há 18 anos e ficamos curiosos para ver o que mudara. Nada!
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29/ago – Amapá–Oiapoque (AP)
Grande dia em que “conhecemos” o Cabo Orange, extremo norte da costa brasileira – um cabo redondo, meio sem graça, entre a foz do Rio Caciporé e o Atlântico, onde há um altíssimo farol abandonado. Lugar em que a maré é de vários metros, as “praias” são largas faixas de lama pegajosa, nada convidativas. Não é de surpreender que ninguém more ali! E logo ali, o Brasil faz fronteira com a Guiana Francesa, do outro lado do Rio Oiapoque. Como ninguém é de ferro, depois de pousar em Oiapoque, pegamos uma voadeira e fomos almoçar (afinal, era domingo, até almoço tivemos!) em Saint Georges de l’Oiapock, a cidadezinha francesa do outro lado do rio. Sensação estranhíssima, ir almoçar na França e voltar duas horas mais tarde!
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30/ago – Oiapoque–Macapá (AP)
Agora, o caminho é sempre para o sul. Deixamos o Rio Oiapoque (um belo rio, com mata fechada dos dois lados), seguimos pelo interior do Amapá, onde não conseguimos fazer muitas amostras – os rios são pequenos e estreitos quando longe da costa e, mais perto do mar, sofrem muita influência da maré e suas águas são salgadas. No sul e no leste do Amapá, há grande quantidade de lagoas, algumas também de águas pretas e outras barrentas – um paraíso para os búfalos. São búfalos que nos esperam amanhã, no Marajó… Primeiro, uma pernoite em Macapá.
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1º/set – Ilha Mexiana (PA)
Ontem, chegamos à ilha Mexiana, encravada no delta do Rio Amazonas, entre o Canal do Sul e o Canal Perigoso. É uma ilha bem parecida com Marajó, só que bem menor – há matas, várzeas e criação de búfalos. Há tucanos, araras, papagaios, capivaras… e muitos pirarucus. Tudo ao alcance de quem visita o Marajá Park Resort: passar um dia inteiro sem voar foi para nós um bom descanso. Em vez de voar, fomos de voadeira com Diego, o gerente, até a Praia do Urubu (não tinha urubus!), exatamente na linha do Equador, no leste da ilha onde batem as ondas do Atlântico. Ondas de água doce. Uma delícia.
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02/set – Mexiana/Belém (PA)
Após uma rápida excursão de jipe pelas várzeas da ilha, voltamos ao batente, decolando para Belém e sobrevoando toda a Ilha de Marajó pelo caminho. Fomos recebidos calorosamente no Aeroclube do Pará com um almoço de peixe assado, e logo depois seguimos para dar uma palestra para crianças de vários colégios ligados ao projeto Amigos da Escola. Puxa, como as pessoas são sorridentes em Belém! Mas o dia não terminou ali. Gérard deu mais uma palestra para os alunos da escola de pilotagem do aeroclube e o bate-papo foi se alongando e alongando…
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03/set – Belém (PA)
O despertador gritou às 5h – estávamos com hora marcada na TV Liberal para entrevista no programa Bom Dia Pará. Foi assim que começou nosso dia complicado – quando prevíamos um dia tão fácil. No Aeroporto Julio César, não havia gasolina. Tivemos de voar até Val de Caes para abastecer. Lá, tudo é muito longe e o caminhão demorou uma hora. Plano de voo? Uma complicação: o telefone não estava funcionando e, para ir pessoalmente, teríamos de pegar um táxi! Já eram 10h30 quando conseguimos decolar, hora em que já tem vento forte nesta época do ano. Foi o voo mais turbulento que fizemos até agora e, após duas horas, ambos estávamos passando mal. Voltando ao Aeroclube do Pará, um excelente almoço na cantina do lugar ajudou a acalmar o mal-estar para começar o conserto de um pequeno problema com o trim… até cair a tempestade habitual à tarde. Era um dia daqueles. Só não enlouquecemos devido à hospitalidade e solidariedade de todos do Aeroclube do Pará. Obrigada, Júlio César, Comandante Pinto, Carlos, Otavinho, Salomão…
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04/set – Belém (PA)/Porto Nacional (TO)
Não podíamos deixar Belém sem fazer nossa visita de sempre ao mercado Ver-o-Peso – maior feira livre da América Latina e um verdadeiro show de cores, sons e cheiros. Tudo acontece bem antes do sol nascer, com os vendedores de frutas, legumes, carnes, peixes estranhíssimos (dos rios e do mar) e incontáveis cestas de açaí berrando, gritando e cantando para atrair os fregueses. Foi difícil ir embora, mas uma longa viagem de volta ao Rio nos esperava. Passando de novo pelo Tocantins e pela gigantesca represa de Tucuruí (a maior do Brasil em volume de água), abastecemos em Marabá e Palmas antes de chegar, quase no pôr-do-sol, a Porto Nacional.
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05/set – Porto Nacional (TO)/Rio de Janeiro
Animados com o andamento do voo ontem (faz uma grande diferença quando não estamos fazendo coletas!) e sabendo que o tempo estava perfeito em todo o Brasil, ficamos confiantes de poder chegar de volta ao Rio no mesmo dia. Decolamos com a saída do sol que, por um breve tempo, ficou mais baixo no céu do que nós. Céu esse, aliás, onde não havia uma nuvem sequer. Destino: Montes Claros, MG, para abastecer. Ao meio-dia, decolamos novamente para o Rio, chegando antes das 4 horas. Mal acreditamos que um dia antes estávamos em Belém. No meio da selva de concreto, a Amazônia parece tão distante novamente. Em outubro, estaremos voltando, agora para o Amazonas.