Campanha 9 – Acre/Amazonas
Diário de bordo dos voos de coleta de amostras de água nos estados de Acre e Amazonas em outubro de 2004.
02/Out – Rio de Janeiro–Belo Horizonte (MG)
A neblina começou a se levantar às 9 horas. Já estávamos no Aeroporto de Jacarepaguá, esperando nossa chance de decolar e seguir primeiro a costa, pela Região dos Lagos, para contornar um pouco a Serra do Mar. Durante a maior parte do caminho até Belo Horizonte, sobrevoamos uma camada de nuvens fechadas, mas finalmente a terra se revelou abaixo, bastante ressecada e queimada.
Toda a região aguarda chuva, e em Belo Horizonte fazia muito calor – que contraste com o frio do Rio de Janeiro ontem.
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03/Out – Belo Horizonte–Brasília (DF)
Continuamos ainda sobre as terras secas, onde campos, cerrados, morros e mesmo pântanos são inexplicavelmente incendiados. Nessa paisagem, a imensidão das águas turquesa da Represa de Três Marias é um alívio. Passando a represa, o Rio São Francisco é (nessa época que antecede as chuvas) uma linda fita azul. Não é a época ideal para coletar amostras nos rios da região, pois o nível das águas é muito baixo e os leitos estão expostos, mas conseguimos dar conta do recado. No fim da tarde, uma rápida chuva em Brasília mostra que a primavera está a caminho.
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04/Out – Brasília–Cuiabá (MT)
Parece que nunca vamos chegar ao Acre! Hoje voamos cinco horas até Cuiabá, onde Gérard pegou um voo comercial de volta ao Rio para apresentar uma palestra, a pedido da Petrobrás, na exposição Oil e Gas, um evento anual do ramo. Só na quarta-feira poderemos continuar rumo ao oeste.
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06/Out – Cuiabá–Guajará-Mirim (RO)
Mesmo com um fuso horário de uma hora, o sol se levanta um pouco depois das 5 horas. Às seis, já estávamos no aeroporto, ansiosos para partir porque faríamos um voo de mais de 1.000 km (e mesmo assim, não iríamos alcançar o Acre ainda!). Na decolagem em Cuiabá, havia uma leve fumaça no ar, que, por mais que viajássemos para oeste, mais densa se tornava, apesar de não estarmos sobrevoando queimadas. De onde vinha tanta fumaça, então? Atravessando a Chapada dos Parecis, mais uma vez (como um ano atrás) ficamos maravilhados com as águas azuis e totalmente transparentes das nascentes de rios como Juruena, Papagaio e Juína. Infelizmente, a cada dia, as fazendas de soja parecem avançar para a serra ao longo desses riachos. Abastecemos com a BR em Vilhena e continuamos, agora atravessando o estado de Rondônia, onde a fumaça se intensificava, prejudicando consideravelmente a visibilidade. Aqui, sim, havia a evidência carbonizada da floresta queimada. Enfim, chegamos a Guajará-Mirim, às margens do Rio Mamoré, na fronteira com a Bolívia.
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07/Out – Guajará-Mirim–Rio Branco (AC)
Acordamos às 5 horas, não para correr até o aeroporto, mas sim para andar nas trilhas da mata perto do Hotel Pakaas Palafitas. Depois do café da manhã, decolamos para Rio Branco, numa rota que atravessa 180 km da Bolívia (mata intocada) para entrar novamente no Brasil. Mais uma vez, havia bastante fumaça, mas nada igual à situação que encontramos à tarde, ao sobrevoar a região de Xapuri, a sudoeste da capital. O estado do Acre realmente é uma calamidade. O desmatamento nas margens dos rios (que é ilegal) provoca erosão dramática, deixando grandes barrancos expostos. A “limpeza” da mata feita pelos fazendeiros não poupa os riachos que, sem as árvores, secam logo. Não foi surpresa descobrir, ao ler o jornal, que o abastecimento da capital está em estado crítico, com a água do Rio Acre atingindo níveis mínimos sem precedentes.
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08/Out – Rio Branco–Cruzeiro do Sul (AC)
Céu mais limpo hoje acima de Rio Branco. A cada milha que voávamos a oeste, a visibilidade melhorava. Estávamos atravessando uma região bem afastada da estrada entre as duas cidades (viagem de 15 horas de carro!), cujo acesso é apenas por barco e onde vivem principalmente tribos indígenas e seringueiros. O maior rio da região é o Purus que, como todos os outros, é barrento e sinuoso. A cada coleta de água, ficamos apreensivos devido à grande quantidade de troncos de árvores boiando na água ou encalhados no leito. Mas tudo deu certo e, às 15 horas, pousamos em Cruzeiro do Sul, no extremo oeste do Acre, não muito longe da fronteira peruana.
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09/out – Cruzeiro do Sul–Tarauacá (AC)
Um dia ma-ra-vilhoso! Céu azul, floresta verde, muita visibilidade. Estava programado um vôo “circular” para coletar amostras a nordeste e leste de Cruzeiro do Sul, com uma parada para o almoço em Tarauacá. A novidade foi essa: nunca paramos para almoçar, mas queríamos pelo menos conhecer um pouco essa cidade. Seguimos o Rio Juruá que corta Cruzeiro do Sul e que, como todos os rios da região, é exageradamente sinuoso e extremamente barrento. As “cidades” por que passamos pelo caminho – Ipixuna, Envira, Feijó – são, na verdade, vilarejos. Às 13 horas, descemos na pista de Tarauacá ao mesmo tempo que um temporal. Corremos para o terminal e esperamos a chuva passar. Mas, depois do almoço, havia um mega-CB fechando nosso caminho de volta a Cruzeiro do Sul, onde, soubemos pelo telefone, havia outra tempestade. Pronto: resolvemos ficar em Tarauacá e fomos gentilmente convidados para dormir na casa do Gerardo, enfermeiro que trabalha com a UNI, nas aldeias indígenas.
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10/out – Tarauacá–Cruzeiro do Sul (AC)
Domingo. Mesmo assim, levantamos às 6 horas, tomamos café com Gerardo e a família, e seguimos apreensivos até o aeroporto. O céu continuava muito carregado com nuvens de chuva, mesmo àquela hora da manhã. As chuvas chegaram cedo este ano e a estrada até Cruzeiro já está fechada. Reabre somente em julho do ano que vem! Fizemos uma coleta difícil no Rio Gregório e continuamos, apressados, até Cruzeiro. Lá, pelo menos, havia um sol fraco e a previsão era de chuva somente à tarde. Aproveitamos para fazer um voo de passeio (para variar!), visitando o ponto que fica no extremo oeste do Brasil: um pedaço de floresta como qualquer outro, no Parque Nacional Serra do Divisor. É bacana ver essa serra após tantos dias sobrevoando paisagens completamente planas. Pousamos de volta na hora do almoço, quando, mais uma vez, uma tempestade descomunal estava se armando. Resultado: o que seria nossa tarde de passeio pela cidade construída sobre um monte de morros (!) tornou-se uma tarde de chuva torrencial!
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11/out – Cruzeiro do Sul–Tabatinga (AM)
Que voo magnífico fizemos hoje! Mais de cinco horas sobrevoando a floresta intacta, no estado do Amazonas, um tapete imaculado cortado ocasionalmente por rios barrentos e sempre sinuosos – o Curuçá, o Itaí, o Itacuaí e o Javari. Sobrevoamos dois postos avançados do exército: Palmeiras do Javari e Esteirão do Equador. Perdidos, sem estradas, pequenos núcleos de homens vivendo na floresta. Legal! E finalmente chegamos a Tabatinga, na fronteira tríplice (com Peru e Colômbia), às margens do imenso Rio Solimões. O mais engraçado é que o controle aéreo para chegar a Tabatinga é feito pelos colombianos na vizinha Leticia, em espanhol. Aqui não tem gasolina de aviação, mas, com uma prévia autorização da Polícia Federal, pudemos abastecer com um táxi aéreo provido de um estoque especial.
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12/out – Tabatinga–Porto Velho (RO)
O oeste do Amazonas é realmente um show. Mais uma vez voamos cinco horas acima da mata verde, ininterrupta, agora no rumo de Porto Velho, onde precisamos fazer a revisão de 50 horas de voo. Pousamos numa cabeceira da pista, enquanto a outra sumia dentro da tempestade que se aproximava. Timing perfeito. À tarde, foi feita a troca de óleo, entre outras coisas.
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13/out – Porto Velho–Rio Branco (AC)
Nossa correria hoje foi um pouco diferente do que nos dias normais de voo. Tínhamos de despachar para o Rio de Janeiro, por via aérea, as 60 amostras congeladas que coletamos até agora nessa campanha. É um processo que envolve cinco fases: comprar isopor, correr até a fábrica de gelo seco, transferir as amostras para o isopor com o gelo seco, correr até a fábrica de nitrogênio líquido para reabastecer os botijões, correr até a TAM Cargas e despachar a tempo de pegar o voo que chega ao Rio já à noite. Missão cumprida, demos um Ufa! e voltamos ao aeroporto para um voo de três horas até Rio Branco. No caminho, fizemos mais uma coleta em Boca do Acre (AM). Essa cidade caiu na boca do povo por causa do comportamento de seus cidadãos durante as eleições, quando acabaram tocando fogo em várias casas. Fiquei realmente surpresa de ver como essa cidadezinha parece tão pacata do ar (veja na foto). Quem diria que seu povo fosse tão raivoso!
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14/out – Rio Branco–Tabatinga (AM)
Parece que a época das chuvas chegou cedo ao Acre este ano. Mesmo antes de chegar ao aeroporto, às 7 horas, havia um enorme CB pendurado acima da cidade. Como nosso rumo era outro, o controle liberou nossa decolagem às 8 horas, e passamos quase a metade do voo evitando as células de chuva pelo caminho. O céu limpou somente um pouco antes de chegarmos a Tabatinga. É impressionante como essa cidade e Letícia, a cidade do lado colombiano da fronteira, são na verdade uma só. Uma longa rua segue diretamente de uma para a outra, sem posto fronteiriço nem nada: apenas um marco branco insignificante de um lado da rua, e o Hotel La Frontera, do outro. É muito bacana essa convivência dos dois países, com total liberdade de ir e vir, sem que cada lado perca sua identidade. Que pena que todas as fronteiras do mundo não possam ser assim, sem cercas e agentes de imigração mal-humorados!
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15/out – Tabatinga – ida e volta
Descobrimos hoje que o manda-chuva nessa cidade é a Polícia Federal. Nenhuma aeronave civil pode decolar sem ser liberada por eles. O resto, conto depois. Basta dizer que aqui todos são culpados até se provarem inocentes. Decolamos com atraso, voamos seis horas sobre a imensidão da mata ao norte de Tabatinga, cortada por rios enormes, como o Japurá e o Içá (bem barrentos, chegando da Colômbia), e outros com águas negras e praias branquíssimas, como o Puruê. Beleza!
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16/out – Tabatinga–Tefé (AM)
Desta vez, conseguimos decolar sem muito atraso da vistoria da PF. Parecem ter entendido que não estamos “traficando” nada. Seguimos agora para o leste, o mesmo rumo que os bilhões de cubos métricos das águas de todos esses rios que buscam o Atlântico do outro lado do Brasil. O calor é de rachar. Às vezes, quando descemos para fazer a coleta, a gente consegue sentir o cheiro da floresta, um intenso cheiro de terra e umidade.
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A cidade de Tefé, cercada por águas e matas, é bem representativa da Amazônia. No porto, o constante vaivém de canoas, barcos e balsas é empolgante para quem visita esse mundo tão especial e diferente. O lago de Tefé é de águas negras que confluem com as águas barrentas (que aqui chamam de águas brancas) do Rio Solimões – um lugar freqüentado por botos cor-de-rosa. Ficamos fascinados, nos nossos voos, com o contraste.
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18/out – Tefé e Mamirauá
Apesar de ser segunda-feira, era nosso domingo. Há dez dias que não temos um descanso. Aproveitamos para fazer uma rápida visita à Reserva de Mamirauá e passar uma noite na pousada flutuante, que é uma delícia.
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Acordamos cedo para fazer uma trilha na mata – em uma hora vimos quatro espécies de macaco (o arredio uacari de cara vermelha, o bugio, o macaco-prego e o macaco-de-cheiro) – antes de pegar o barco de volta a Tefé. Assim, em vez de decolar cedo como de costume, saímos de Tefé ao meio-dia. Foi uma jogada de sorte. Ao chegar a Manaus às 16 horas, soubemos que um enorme temporal havia caído sobre a cidade. Um raio atingiu a pista de Flores, onde fica o aeroclube, e fez um buraco! Ainda bem que, desta vez, nos atrasamos.
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Cancelado o voo de coletas devido à indisposição do comandante! Uma intoxicação que, acreditamos, foi provocada por gelo de origem duvidosa consumida num restaurante de Tefé. Pois é. As águas que a gente contamina acabam dando o troco.
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21/10 – Manaus
Após um dia sofrido ontem, Gérard acordou bem e resolvemos voar. O tempo era esquisito – teto baixo, nuvens já carregadas desde cedo. Após meia-hora de voo, já tivemos que começar a desviar de tempestades com relâmpago, e assim foi durante todo o voo de 5 horas. Mesmo assim, seguindo uma rota zigue-zague, conseguimos fazer todas as coletas nos devidos pontos – nos rios Urubu, Uatumã, Madeira e Amazonas por exemplo. Pelo rádio, ouvimos os pilotos de linha aérea desviando das formações. O aeroporto de Manaus fechou durante uns 15 minutos. Apesar de violentas, as tempestades nessa região duram pouco. Quando era a nossa vez de pousar de volta em Manaus, nos encaixamos entre dois temporais, e buscamos refúgio nos hangares da Rico onde o Talha-mar fica hospedado durante 15 dias, até o início da décima campanha na segunda semana de novembro.